Emma, de Jane Austen – Entrevista com Profa. Dra. Renata Dal Sasso Freitas (Unipampa)

Por Rafael Barbosa

No mês de junho de 2018, o Clube do Livro Adamastor teve como centro de suas discussões o romance Emma, da Jane Austen. Aproveitamos o embalo dos debates e resolvemos realizar uma entrevista sobre o livro, com a professora da Universidade Federal do Pampa, Renata Dal Sasso Freitas.  Confira na íntegra como foi:

  1. Quais os valores e costumes perceptíveis sobre a época pré-vitoriana inglesa no romance Emma?

Emma se passa em uma pequena comunidade em Surrey, no sudeste da Inglaterra e seus personagens são majoritariamente membros da chamada gentry deste comunidade. Os valores e costumes que aparecem no romance, portanto, dizem respeito a esse estrato social. Eu destacaria aqueles relativos às expectativas que havia em torno de homens e mulheres dessa classe em termos de comportamento, como por exemplo, o comportamento de Emma perante Frank Churchill e vice-versa, interpretado de diversas formas por diferentes personagens (entre eles o próprio Churchill). No entanto, é necessário ter em conta de que os romances normalmente representam a realidade de um determinado período através de diversos dispositivos e não de uma forma realista, espelhada. Um homem e uma mulher estarem noivos neste período, por exemplo, podia significar que eles já eram sexualmente ativos (um com o outro, no caso), o que coloca esse tipo de relação, quando ela aparece neste romance em específico, em uma outra perspectiva. Isso é uma informação que não nos chega diretamente através do romance, mas que seria evidente para os leitores do período.

  1. O que o romance da Jane Austen nos fala sobre as relações de classe na Inglaterra do século XIX?

O melhor exemplo disso no romance é a relação entre Emma e Harriet Smith, uma garota que é filha ilegítima de alguém cuja identidade só é parcialmente revelada ao final do romance. Como a origem social de Harriet é um mistério, ela não tem um lugar definido na sociedade inglesa. Emma parece acreditar que o pai dela pode se revelar alguém de real consequência, o que justificaria sua amizade com ela e a possibilidade de um casamento vantajoso. A própria Emma demonstra, no entanto, o quanto a sociedade é estática, quando ela diz que se Harriet aceitasse se casar com o fazendeiro Robert Martin, elas não poderiam mais se ver, pois não caberia a alguém na posição de Emma socializar com a mulher de um fazendeiro. O mesmo tipo de percepção de que cada pessoa tem um lugar específico na sociedade é externado por Emma e outros personagens em relação à Sra. Elton.

  1. Como é abordada a questão da feminilidade no romance?

Como quase todos os romances desse período (o final do século XVIII e o início do século XIX), Emma trata do que constitui o comportamento adequado de mulheres e homens. No que diz respeito à feminilidade, é bastante interessante observar a linha bastante tênue que as mulheres têm de obedecer. Uma mulher não podia falar demais, nem falar de menos; não podia sentir demais, nem sentir de menos. Segundo Claudia Johnson, em virtude do surgimento do conservadorismo na Inglaterra durante a Revolução Francesa, torna-se cada vez mais difícil para as mulheres serem representadas expressando seus sentimentos e vontades. Isso é observado em Emma diversas vezes, mas sobretudo ao final, quando Emma por fim se depara com seus sentimentos.

  1. A personagem principal do romance, Emma, exerce a função de casamenteira na obra. A autora do livro relata também as dificuldades das mulheres inglesas de ascenderem socialmente. Levando em consideração essas características, de que forma podemos dizer que o casamento na Inglaterra poderia proporcionar a ascensão social de mulheres e homens no século XIX?

Eu não diria que esse romance em especial relata as dificuldades das mulheres de ascenderem socialmente, pois ele trata de pessoas de um extrato específico da elite inglesa em um período de ascensão da burguesia. Personagens secundários como os Cole e a Sra. Elton (e sua irmã) têm uma origem mercantil por quem a protagonista do romance demonstra certo desprezo e depois se vê forçada a aceitar em seu círculo social. São pessoas que melhoraram de vida materialmente, ainda que vistas com desconfiança pelas famílias proprietárias de terras, como o Woodhouse e os Knightley. Dessa forma, estamos vendo uma sociedade estratificada, mas que permite certo movimento desde que cada um esteja ciente de seu lugar nesta hierarquia. Essa é a maior ofensa às sensibilidades de Emma. Isso não significa que esse percurso de ascensão social era fácil e disponível a todos. O caso de Harriet Smith e de Robert Martin demonstra bem isso.

  1. É possível traçar alguma característica em comum entre as personagens do romance que possa falar sobre a idealização da performance feminina dentro da sociedade inglesa?

Sim. É esperado de jovens como Emma, Jane Fairfax e Harriet Smith que se comportem dentro de um determinado raio de ação. Elas podem permitir as atenções de certos homens, por exemplo, desde que não incorram em “impropriedades”, como por exemplo, serem flagradas sozinhas com eles ou manifestarem seu interesse de forma aberta. Esse é o motivo de Emma sempre estar junto com sua amiga quando ela tem a intenção de unir Harriet ao vigário Elton, por exemplo. Um dos motivos pelos quais Emma se ressente de Jane Fairfax é que ela sente que Jane consegue desempenhar seu papel enquanto mulher melhor do que ela, com determinados talentos e uma determinada postura.

 

Gostou da entrevista? Em breve, outras serão postadas aqui.