Recentemente o MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) registrou um caso de Encefalopatia Espongiforme Bovina, na forma atípica, em uma pequena propriedade no Amapá, no norte do Brasil. Isso acarretou uma série de medidas, incluindo a suspensão da exportação da carne bovina para a China.
Mas afinal, o que é a Encefalopatia Espongiforme Bovina – EEB, e por que casos desta doença são tão preocupantes?
A EEB é uma doença causada por príons, com característica neurodegenerativa com o acometimento crônico e progressivo de estruturas do sistema nervoso central.
Príon (PrPsc) é o agente infeccioso da EEB, não possui material genético e é composto apenas de proteína, sendo esta proteína infecciosa e decorrente da modificação pós translacional de uma proteína normal. É resistente à protease e não induz resposta imune, pois o organismo não a reconhece como estranho ao hospedeiro, por ser uma proteína animal.
Conforme o perfil molecular, avaliado pelo teste de Western Blot, consegue-se diferenciar os subtipos da doença: na EEB clássica, tipo C, o príon possui peso molecular padrão, as formas atípicas da EEB são a tipo H e tipo L, sendo a primeira causada por príon de alto peso molecular (high) e a segunda por príon de baixo peso molecular (low), estas últimas são muito raras, e apenas são detectadas em países onde os sistemas de vigilância da EEB atuam de maneira comprometida.
A EEB compreende o grupo das Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis – EET, e além da EEB, destacam-se, dentre elas, a Doença de Creutzfeldt-Jakob, que acomete humanos, sendo uma das variantes desta doença, a DCJ nova variante – vCJD, causada pela ingestão de alimentos contaminados com o agente da EEB, portanto uma zoonose; já a Paraplexia Enzoótica dos Ovinos ou Scrapie, afeta ovinos e caprinos e não é considerada zoonose.
A EEB é uma doença neurológica fatal para bovinos adultos, cujos sinais clínicos para a forma clássica correspondem à alterações neurológicas como ataxia, hiperestesia, hipersensibilidade, tremores, alterações comportamentais, agressividade, nervosismo, dificuldades posturais – como manter-se em estação ou levantar-se, andar em círculos, movimentos oculares assimétricos. Também podem ocorrer sinais inespecíficos como perda de peso corporal, bruxismo, queda de produção leiteira e bradicardia. A forma atípica normalmente é assintomática, e está associada à bovinos caídos e/ou submetidos ao abate de emergência, a maioria dos casos descritos nesta tipificação foi em animais maiores de 8 anos.
Na avaliação das lesões post-mortem, em fases mais avançadas podem ocorrer sinais de perda muscular, porém não são detectadas lesões macroscópicas nesta doença. No aspecto histopatológico, as alterações restringem-se ao SNC, visualizando-se lesões simétricas, bilaterais, com alterações espongiformes não inflamatórias, caracterizada, em bovinos, por vacuolização neuronal e astrocitose em graus variáveis.
O Programa Nacional de Prevenção e Vigilância da EEB (PNEEB), vinculado ao MAPA, é organizado em subprogramas, e em sua base estrutural considera as informações científicas sobre a EEB e as recomendações da OIE (Organização Mundial da Saúde Animal). Além do MAPA, outros segmentos estão envolvidos no PNEBB, como os órgãos estaduais de defesa sanitária Animal, sendo que o MAPA junto aos órgãos estaduais compõem o SVO – Serviço Veterinário Oficial. Já o setor produtivo é responsável por aplicar as medidas sanitárias estabelecidas pelo SVO, sendo necessário o engajamento de pecuaristas, estabelecimentos industriais da cadeia produtiva de bovinos, médicos veterinários e outros profissionais envolvidos. O alicerce do PNEBB é o embasamento científico, gerado pelas instituições de ensino e pesquisa tanto a nível nacional quanto internacional.
O primeiro pilar do PNEEB reside sobre o controle de importação de animais, produtos e subprodutos de origem animal.
Em segundo lugar temos a Vigilância, cujos objetivos são a prevenção da introdução, a detecção precoce e a eliminação de casos para evitar a entrada do agente na cadeia alimentar. A vigilância epidemiologia para EET é realizada pelo serviço veterinário oficial (SVO), médicos veterinários privados devem reportar ao SVO qualquer suspeita que possam atender. A população alvo da Vigilância são bovinos e bubalinos, conforme Instrução Normativa 18/2002 e Memorando-Circular 73/2012/SDA que estabelecem os critérios de vigilância epidemiológica das EET com a obrigatoriedade de submeter ao teste de EET os ruminantes negativos para raiva.
As medidas de mitigação de risco concernem ao terceiro subprograma do PNEEB, elas são fundamentais para a manutenção da situação sanitária de menor risco para a EEB, devido à complexidade epidemiológica da doença, além do controle sobre importação e vigilância. Envolve medidas adotadas no abate, graxarias, fábricas de ração e fazendas, visando a redução do risco de eventual ingresso do agente da EEB na cadeia produtiva. Uma dessas medidas, no abate de bovinos é a retirada de materiais de risco específicos (MRE) da carcaça de bovinos, e estes não podem ser destinados à alimentação humana e animal, sendo eles o cérebro, olhos, tonsilas, medula espinhal e íleo distal. Em graxarias exige-se o tratamento adequado na produção da farinha de carne e ossos (FCO), que deve ser esterilizada a uma temperatura mínima de 133°C, por no mínimo 20 minutos a uma pressão de 3 bar, observando a proibição da entrada de MRE nestas farinhas. Em fábricas de rações para ruminantes, bem como nas fazendas, as principais medidas a serem tomadas é o ‘feed-ban’, ou seja a proibição de alimentar bovinos com FCO de ruminantes, sendo essa a principal maneira de interromper o ciclo da EEB; outra medida a ser evitada é a contaminação cruzada (CC), que está relacionada a contaminação da ração para ruminantes com rações destinadas a outros animais no ciclo de produção que contém FCO.
O quarto pilar do PNEBB é controle e avaliação, orientado ao gerenciamento, aprimoramento, conscientização, capacitação e treinamento de todos os segmentos envolvidos na cadeia produtiva de ruminantes, para que o PNEEB se mantenha exequível.
A transmissão da EBB clássica ocorre de forma direta, via oral, através da ingestão de subprodutos de origem de ruminantes, principalmente FCO, contaminados com o príon. Já a EEB típica ocorre de forma esporádica e espontânea. O período de incubação da forma clássica é de pelo menos 2 anos, podendo chegar a 10 anos, e da forma típica este período é indeterminado.
A variante Creutzfeldt-Jakob em humanos está associada a ingestão de tecidos animais contaminados com o príon tipo C.
A notificação de casos suspeitos ao SVO deve ser imediata (conforme Categoria 2 da IN n° 5/2013).
Para a definição do diagnóstico deve ser considerado que não há método de detecção da infecção em animais vivos. O diagnóstico confirmatório é realizado através da observação da proteína em alterações histopatológicas no SNC de animais suspeitos. Sendo o ELISA utilizado em triagem de casos suspeitos, imunohistoquímica confirmatório e Western Blot confirmatório com a tipificação do príon PrPsc. O diagnóstico de EEB deve ser realizado em laboratório oficial de referência, sendo a amostra enviada obrigatoriamente ao Laboratório Federal de Defesa Agropecuária de Pernambuco (LFDA-PE). Os procedimentos de colheita, acondicionamento e envio de amostras para diagnósticos de doenças nervosas de ruminantes adultos são descritos por documento oficial do MAPA, as partes anatômicas coletadas são o tronco encefálico com a região do óbex, imprescindível, e fragmentos do cerebelo se possível.
Os casos de EEB definem-se como suspeito, provável, confirmado ou descartado. Um caso é definido como suspeito de EEB quando for animal suscetível, enquadrado em uma das categorias da vigilância, ocorrendo a exigência de diagnóstico laboratorial de EEB, se:
- bovino e bubalino com idade igual ou superior a 2 anos com sinais clínicos de doença neurológica ou doença crônica/caquetizante/depauperante ou decúbito/dificuldade de locomoção ou morte sem sinais aparentes; com diagnóstico negativo para raiva.
- bovino e bubalino com idade igual ou superior a 2 anos, com vínculo epidemiológico em caso de EEB;
- bovino e bubalino com idade igual ou superior a 3 anos submetido ao abate de emergência ou condenado na inspeção ante-mortem;
- Todos os bovinos ou bubalinos importados de país de risco para EEB, independentemente de sinais clínicos e da idade.
Caso Provável de EEB ocorre quando o caso suspeito apresenta resultado laboratorial diferente de negativo no teste de triagem ELISA. O caso é considerado confirmado de EEB tratando-se de caso provável com resultado positivo nos testes confirmatórios de Imunohistoquímica ou Western Blot, diferindo-se em:
- Caso Confirmado de EEB Clássica quando o teste de Western Blot identificou o príon PrPsc do tipo C.
- Caso Confirmado de EEB atípica quando o teste de Western Blot identificou o príon PrPsc do tipo L ou H.
A suspeita é considerada descartada quando o caso suspeito ou provável não atendeu aos critérios de confirmação, ou seja, negativado nos testes confirmatórios.
Vigilância e notificação obrigatória de doenças neurológicas em ruminantes são essenciais para a detecção precoce da EEB, para tanto o quarto pilar do PNEBB deve manter-se em prática através da educação sanitária continuada, e conscientização dos produtores em respeito ao feed-ban e às notificações obrigatórias de casos suspeitos.
Na ocorrência de focos de EEB, deve ser executada a interdição da propriedade de origem, rastreamento de ingresso e egresso, investigação de vínculos epidemiológicos, identificação dos animais coortes (nascidos um ano antes e após o nascimento do animal positivo à EEB clássica) com colheita de amostras para diagnóstico laboratorial, bem como a proibição de produtos oriundos de animais infectados na cadeia produtiva e alimentícia.
Em casos de EEB atípica, quando não houverem outros casos suspeitos ou prováveis, a propriedade é desinterditada e o foco encerrado. As investigações são concluídas após a comprovação de que não houve entrada de material oriundo de animais infectados nas cadeias produtiva e alimentar.
Já na EEB clássica a desinterdição da propriedade e o encerramento do foco ocorrem quando os resultados laboratoriais são negativos para EEB em amostras de animais coortes ou expostos ao agente. A conclusão da investigação ocorre após comprovação da ausência de animais expostos bem como da negativa de entrada de material oriundo de animais infectados nas cadeias produtiva e alimentar.
A condição zoosanitária do Brasil é classificada de risco insignificante de EEB, conforme as definições da OIE. Porém o trabalho de vigilância a cerca da EEB é um esforço conjunto e constante, tanto dos setores governamentais, como da cadeia produtiva e da comunidade científica.
Caso tenha interesse em ver a versão resumida, consulte: https://www.instagram.com/p/Cq_ps5ep-9b/