Aborto no STF: o debate sobre a ADPF 442

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Publicada no dia 6 de agosto de 2018

foto: Mídia Ninja

O debate sobre o aborto ganhou novos contornos quando da votação da legalização do aborto na Câmara de Deputados. Foram milhares de jovens que organizaram assembleias em suas escolas e que ocuparam dezenas delas em vigília à votação.

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 442), junto ao Supremo Tribunal Federal, argumenta que os dispositivos, que criminalizam o aborto provocado pela gestante ou realizado com sua autorização, violam os princípios e direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal quando esta interrupção é realizada até a décima segunda semana de gestação.

Segundo tese dos autores de ADPF 442, a criminalização do aborto descumpre o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e da cidadania das mulheres, pois não reconhece a capacidade ética e política das mulheres de decidirem sobre sua reprodução. Por outro lado, apesar de todas as mulheres estarem submetidas a criminalização, esta afeta desproporcionalmente mulheres negras e indígenas, pobres, de baixa escolaridade e que vivem distante de centros urbanos, onde os métodos para a realização de um aborto são mais inseguros do que aqueles utilizados por mulheres com maior acesso a informação e poder econômico e, neste sentido, viola o princípio da não discriminação. Ancorados por decisões internacionais, afirmam que a negação do aborto pelos serviços de saúde constitui tortura e tratamento desumano ou degradante ao impor a manutenção de uma gestação não desejada, além de violar o direito à saúde, à integridade física e psicológica das mulheres, bem como o direito à vida e à segurança, por relegar mulheres à clandestinidade de procedimentos ilegais e inseguros que causam mortes evitáveis e danos à saúde física e mental. Descumpre ainda o direito fundamental à liberdade e aos direitos sexuais e reprodutivos, por impedir às mulheres o efetivo controle sobre a própria fecundidade e a possibilidade de tomar decisões responsáveis sobre sua sexualidade, sem risco de sofrer coerção ou violência.

No Brasil, a criminalização do aborto está prevista desde o Código Criminal do Império até os dias de hoje. Apenas em dois casos não são punidos pelo Código Penal de 1940, quando houver risco de morte para a gestante, ou quando a gravidez foi resultante de estupro, o que coloca o país dentre aqueles com legislações mais restritivas no mundo. De lá para cá, alguns marcos importantes para a garantia do acesso ao aborto ocorreram. O primeiro deles foi no âmbito do executivo, que em 2005, reeditou a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos resultantes da Violência Sexual contra a Mulheres e Adolescentes e emitiu Portaria regulamentando a interrupção da gestação nos casos autorizados por lei, sem a necessidade de boletim de ocorrência para situações de violência sexual. Em 2012, com uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, a ADPF 54, o Supremo Tribunal Federal autoriza a interrupção da gestação em casos de fetos anencefálicos. E mais recentemente, em uma decisão da primeira turma do STF, por maioria, entendeu que a criminalização do aborto no primeiro trimestre de gestação é inconstitucional por ser uma medida desproporcional que viola direitos fundamentais das mulheres.

Outros elementos importantes para o debate são as pesquisas realizadas no Brasil e também em países onde a descriminalização já aconteceu. A Pesquisa Nacional de Aborto de 2016, por exemplo, mostra que milhares de mulheres brasileiras recorrem anualmente ao aborto de forma insegura, provocando riscos a sua vida e saúde. Em países onde a descriminalização já ocorreu, estudos apontam para a redução nas taxas de aborto, uma vez que estas mulheres passam a ser incluídas em programas de saúde sexual e reprodutiva, garantindo uma melhor atenção a elas e, em contrapartida, possibilitando a prevenção de futuras gestações indesejadas. Neste sentido, dar vida e concretude às mulheres que abortam, contar suas histórias, revelar quem são, comprovar que se trata de mortes evitáveis é fundamental para sensibilizar a população da necessidade de se pensar sobre este fenômeno que atinge a vida e a saúde das mulheres brasileiras.

Por meio da ADPF 442, a luta para a garantia efetiva do direito ao aborto de forma segura e gratuita a todas as mulheres passará por outras esferas, em especial de implementação de políticas no campo da saúde e assistência.

 

Autoria: Renata Teixeira Jardim – Advogada Feminista, Mestre em Antropologia Social, Integrante do Cladem Brasil e Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos
Esse artigo foi escrito durante a preparação para as audiências públicas sobre a ADPF 442, que luta pela descriminalização do aborto no País. O texto reúne informações e contextualiza o aborto no Brasil, mostrando a mobilização pela aprovação da ADPF 442, assim como expõe as recentes ondas conservadoras e ataques que defensoras e defensores dos direitos reprodutivos das mulheres vem sofrendo.