Por José Carlos Severo Corrêa, professor adjunto da UNIPAMPA Campus Itaqui,
economista e doutor em Desenvolvimento Regional.
Em outro momento produzimos um texto refletindo o impacto econômico da chegada da UNIPAMPA em Itaqui. Nesse sentido, objetivo deste texto é aprofundar a discussão feita anteriormente fazendo uma reflexão do quanto a UNIPAMPA afetou a economia itaquiense, levando em consideração dados relativos ao Valor Adicionado Bruto (VAB) dos grandes setores da economia de acordo com metodologia oficial.
A UNIPAMPA tem em sua lei de criação e em seu Plano de Desenvolvimento Institucional registrado o seu compromisso com o desenvolvimento regional, no caso a Metade Sul do Rio Grande do Sul. Dado essa manifestação legal e institucional, é que pretendemos refletir em torno disso, especificamente no caso, a questão dita econômica.
Pois bem, mas o que seria o desenvolvimento regional? Nesse caso, nos valemos das palavras de Cardoso (1995, p.1), “nas ciências sociais, os conceitos são historicamente densos [ … ] precisam se redefinir sempre que ocorram alterações de alcance estrutural nas relações sociais”. Dessa forma, tantos quantos conceitos adotarmos seriam aplicáveis; no entanto, vamos nos ater ao conceito de desenvolvimento como sinônimo de liberdade. A liberdade mencionada, nesse caso, diz respeito às questões sociais, ao acesso à educação, à saúde e aos direitos civis, sobretudo participar, escolher e ter acesso. Assim, é necessária a remoção das “fontes de privações de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos” (SEN, 2000, p.18). Observe-se que há uma pressuposição de que só haverá êxito na empreitada se houver condições básicas para a tal melhoria, referenciada em direitos fundamentais e conhecimento. De forma complementar, Barquero (2001) aborda ser o desenvolvimento um processo combinado entre uma participação ativa dos atores da comunidade envolvida com a forças motrizes externas. Nesse ponto em específico, é que observamos a contribuição da UNIPAMPA para a sua região de abrangência, na qual encontra-se Itaqui.
Como já foi dito anteriormente, nossa reflexão no momento leva em consideração a contribuição para a economia regional, que no caso específico estamos nos atendo à cidade de Itaqui. Assim sendo, para fins metodológicos, vamos nos ater exclusivamente aos dados estatísticos de natureza econômica disponibilizados por organismos oficiais, no caso a Secretaria de Orçamento Planejamento e Gestão do governo do estado. Os dados utilizados são relativos aos valores do Valor Adicionado Bruto (VAB) setorial por intermédio dos quais se calcula o Produto Interno Bruto (PIB) do município. Basicamente são três setores: agropecuária, indústria e serviços, sendo que neste último também são consideradas as informações relativas ao comércio e ao setor público. Além disso, os dados receberam tratamento estatístico simples em planilha eletrônica, sendo considerado o ano 1 da série 2008, ano de instalação da UNIPAMPA no município, e o ano final é 2017, última informação disponível. Essencialmente, foram feitas três análises, a primeira apurou a média anual da participação de cada setor no do VAB gerado no município ao longo da série estudada, a segunda considerou os valores absolutos nominais anuais de cada setor, ou seja, sem nenhum tipo de deflacionamento, e a terceira considerou a variação percentual anual por setor.
Na primeira análise, observamos o comportamento do VAB para a agropecuária, indústria e serviços, no intervalo entre 2008 e 2017 em termos absolutos. Esses são indicadores que demonstram como cada setor da economia de um município ou estado se comportam ao longo do tempo. A soma dos valores adicionados mais os serviços públicos e impostos correspondem ao (PIB), indicador mais conhecido devido a sua divulgação periódica, especialmente, em termos nacionais.
É sabido que o município de Itaqui se notabiliza pela produção agropecuária e indústria de processamento de alimentos, sobretudo arroz; no entanto, mostra-se muito importante para o município o VAB gerado pelos serviços. Na média da série histórica 2008-2017, os serviços corresponderam à 51,7% do total dos VAB’s, como pode ser observado na Figura 1.
Na Figura 2, observa-se a variação do VAB entre os anos de 2008 e 2017, ressalvando que o valor dos serviços engloba também a administração pública, que também está representada no gráfico, para fins de análise do comportamento. Não nos interessa a atualização dos valores, por isso estão em termos nominais, a ideia é observar a tendência de forma comparada. A premissa básica é de que naturalmente em termos nominais os VAB’s deveriam apresentar tendência de crescimento, o que efetivamente se observa. Nitidamente se observa que o crescimento do VAB dos serviços apresenta um crescimento consistente ano a ano, movimento semelhante ao da indústria, o que não ocorre com a agropecuária. Algumas considerações podem ser feitas, o VAB da indústria tem comportamento semelhante ao da administração pública, observe-se que nesse caso a contribuição da UNIPAMPA é contabilizada. Já o VAB da agropecuária é oscilante apresentando movimentos de queda em alguns anos. E por fim o crescimento do VAB dos serviços apresenta um crescimento maior demonstrado principalmente pelo distanciamento observado na comparação com a indústria, embora no ponto de partida os valores estejam próximos, no final da série é evidente que os serviços apresentaram um crescimento mais consistente. Salientamos que embora não seja toda a explicação, a UNIPAMPA contribui de forma bastante importante nesse sentido, pois além dos gastos com a contratação de obras e pessoal, indiretamente toda a rede de prestação de serviços a essa nova comunidade, cerca de 1000 alunos e 170 servidores concursados mais os terceirizados, gera uma movimentação relevante no setor de serviços.
Na Figura 3, os valores foram transformados em índices tomando o ano de 2008 como base = 100, e a sequência com valores relativizados em uma variação percentual ano a ano para cada setor. Salienta-se mais uma vez que nos serviços está incluída a administração pública, mas a mesma também tem seu VAB específico inserido no gráfico, assim como também foi abordado o PIB de Itaqui para a série, como forma de se comparar o crescimento anual de cada variável.
Evidencia-se nesta análise que, embora em termos absolutos haja uma grande diferença, em termos percentuais essa diferença fica menos visível. O VAB que mais cresceu foi o da administração pública, o que fortalece o raciocínio de que a UNIPAMPA tem alta contribuição nesse aspecto. Observa-se que o crescimento dos serviços foi, entre extremos, semelhante ao da indústria, mas essa tem uma oscilação maior, ao passo que aquele mantém-se numa taxa constante de crescimento. Curiosamente, nos primeiros anos a indústria apresentou relação inversa à agropecuária, contrariando o que seria óbvio o acompanhamento de uma e outra dado que são atividades complementares, observado nos anos finais, mas essa é uma análise a ser feita em outro momento. Cabe salientar também que o comportamento da agropecuária, menor taxa de crescimento, foi responsável pelo crescimento do PIB bem abaixo do VAB da administração pública, pois esse na verdade acompanha a média da variação do desempenho de cada setor.
Para finalizar nossa reflexão, podemos elencar algumas considerações:
1) ao contrário do que seria sugerido, o comportamento do VAB da agropecuária e da indústria não são diretamente relacionados, embora haja complementariedade, esse é um elemento que precisa ser melhor estudado.
2) O VAB dos serviços apresentou um crescimento bem acima dos demais em termos absolutos, mas quando comparado em termos percentuais observa-se que esta elevação se deu principalmente por conta da administração pública, na qual também está contabilizado a contribuição da UNIPAMPA ao setor.
3) Essa relativa importância da UNIPAMPA no comportamento do VAB dos serviços poderá ser melhor evidenciada, quando for feita a apuração relativa ao ano de 2019 por conta das questões relacionadas a dificuldades orçamentárias já mencionadas anteriormente.
4) Fica também para outro momento a observação do impacto da pandemia no município de Itaqui, que deverá ser importante a exemplo do estado e mesmo do país.
Concluindo, podemos dizer que embora relevante para o desempenho econômico do município, há outros elementos que evidenciam a importância da UNIPAMPA tanto para Itaqui como para a Fronteira Oeste e a Metade Sul do Rio Grande do Sul, assuntos que deveremos abordar em outro momento. Registramos também, a necessidade de explorarmos mais as diversas facetas do conceito de desenvolvimento, que como já dito é denso e moldado pelas transformações estruturais.
REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURA
BARQUERO, A. V. Desenvolvimento endógeno em tempos de globalização. Porto Alegre; FEE, 2001.
CARDOSO, F. H. Desenvolvimento: o mais político dos temas econômicos, 1995. Revista de Economia Política. São Paulo, v.15, n.4. out-nov. 1995. Disponível em <http://www.rep.org.br/pdf/60-11.pdf> Acesso em 05 nov 2016.
RIO GRANDE DO SUL. Secretaria de Orçamento Planejamento e Gestão. Departamento de Economia e Estatística. PIB Municipal, série histórica. Disponível em: <https://dee.rs.gov.br/pib-municipa>. Acesso em 10 abr 2020.
SEN, A. K. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.