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Eu emociono e informo…ciência! Você lê e compreende…ciência!

Por Dieila dos Santos Nunes
Mestra e Doutoranda em Linguística Aplicada – Unisinos

Pesquisa de mestrado revela que os efeitos de emoção podem chamar a atenção dos leitores para uma informação científica

Você já parou para pensar como a tarefa de divulgar ciência é complexa? Pois bem, além de facilitar a linguagem para informar uma descoberta científica, é preciso chamar a atenção de um público que pode não ter interesse no assunto. Assim como você, isso mesmo, você, aí, que pode estar lendo o texto e pensando se vai continuar. Não pare por aqui, pois tem novidade no ar!

Em minha pesquisa de mestrado, orientada pela professora Dra. Maria Eduarda Giering, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, descobrimos que estratégias na escrita que contribuem para a produção de efeitos de emoção podem captar a atenção do público não especialista. Isso mesmo! Nosso estudo buscou compreender como a ciência chega até o público infantil por meio dos textos de divulgação científica, já que é a fase na qual o trabalho de compreensão do método científico e de aproximação da ciência deve iniciar.

Fonte: Pixabay.

Como aconteceu?

A pesquisa foi realizada de 2017 a 2019 e contou com 40 artigos de divulgação científica midiática para o público infantil e disponíveis aos não assinantes; 20 publicados na revista on-line Ciência Hoje das Crianças e 20 na revista on-line Minas Faz Ciência Infantil, no período de 2016 a 2018. A investigação ocorreu a partir de uma análise qualitativa, a fim de identificar categorias linguístico-discursivas que contribuem para o apelo à emocionalidade. Em seguida, foi realizada uma análise comparativa entre os dados qualitativos provenientes das análises de cada revista. Sabe por quê? Com a finalidade de verificar se as estratégias utilizadas para escrever textos de popularização científica são as mesmas. São ou não? Continua comigo, que logo saberemos…

Você já deve saber que quando um texto é chato não tem como continuar, mesmo se o tema for interessante. Então, isso acontece, pois recontextualizar uma linguagem técnica, rígida, da academia, em uma linguagem facilitada, inteligível e atrativa é uma tarefa árdua, e nem todos produtores de texto conseguem chegar lá. Sei que vai me perguntar o motivo dessa complexidade… Bom, o divulgador da ciência deve tornar o texto envolvente, por meio de escolhas de palavras, expressões e imagens, mas não pode esquecer do objetivo maior: informar um fato científico! Tudo ao mesmo tempo, emocionar e informar. Que sufoco passa um divulgador da ciência, não?! Calma, nem tudo está perdido…os resultados de minha pesquisa podem muito auxiliar na atividade de popularização científica.

E quais são os resultados da pesquisa?

Com base nas análises, verificamos que a imagem da criança é pressuposta pelo divulgador como curiosa e questionadora, sempre querendo saber o porquê das coisas. É por essa razão, principalmente, que entram as estratégias de sedução. Na tentativa de aproximação com o público infantil, os textos foram construídos a partir das características da criança e da sua realidade vivenciada, possibilitando uma estreita relação entre ela e a ciência. E tem mais! Ficou evidente, também, que os divulgadores das duas revistas utilizam uma linguagem leve e de fácil entendimento, com o uso de gírias, onomatopeias, questionamentos, alusão a personagens fictícios, títulos, subtítulos e imagens inteligíveis, interjeições, expressões qualificadoras, referências a criança leitora – mantendo sempre uma espécie de diálogo. Essas estratégias, por serem próximas do universo infantil, têm grande predisposição a produzir efeitos de emoção (alegria, tristeza, nojo, medo, atração, raiva, curiosidade) na criança e, consequentemente, captar a sua atenção para o texto.   

A partir dos resultados alcançados, não há como negar que utilizar essas categorias nos textos de divulgação da ciência é suscitar um efeito emotivo na criança leitora. Por isso, é muito importante se voltar para as muitas estratégias de discursivização das emoções, pois elas são extremamente importantes para as práticas de popularização do conhecimento científico e, evidentemente, para estabelecer critérios pertinentes à carência notória de atrair o público não especializado para os assuntos científicos.

E não acaba por aqui! As estratégias patêmicas auxiliam o produtor do texto no processo de escrita e, para além de facilitar a compreensão do texto e despertar o interesse da criança leitora, podem servir de ponte para o estabelecimento de uma cultura científica no país, pois divulgar ciência é também educar criticamente o cidadão que está em processo de formação. 

Se você é um leitor mega curioso e tem uma criança interior que adora saber o porquê das coisas, vem ler minha dissertação de mestrado!

Versão do texto em *.pdf.

É certo “falar errado”?

por Cristina dos Santos Lovato e Mariane Larrissa Debus

É notório que há modos de falar diferentes e sotaques distintos. Todavia, esses diferentes modos de falar não estão errados porque não há um único modo de utilizar a língua. Inclusive você já deve ter percebido que não escrevemos como falamos, que dependendo da situação adotamos um registro linguístico mais formal e que o modo de falar sulista é diferente do nortista. A Sociolinguística veio para mostrar que a língua é um organismo vivo, e que ela, a língua, vai variar conforme o espaço, o tempo, a história e o falante.

Segundo o linguista, filólogo e tradutor Marcos Bagno (2007b, p. 59), “a variação linguística é um tema muito interessante em si mesma”, é um fenômeno da linguagem capaz de explicar muitas coisas sobre a língua e os processos de mudança linguística”.

Se empreendermos uma grande viagem pelo Brasil, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, recolhendo os modos de falar das pessoas de todas as regiões, de todos os estados, das principais cidades, da zona rural etc., vamos perceber que existem diferenças nesses modos falar (…). Há muita semelhança, também, mas são as diferenças que chamam mais a atenção e que permitem classificar esses variados modos de falar. Quando você consegue identificar os traços característicos de um determinado modo de falar a língua, você pode chamá-lo de variedade (grifo do autor). Se você, em vez de sair viajando pelo país, decidir estudar os modos de falar das pessoas de um mesmo lugar – uma grande cidade, por exemplo –, vai notar também que a variedade falada nesse lugar apresenta diferenças que correspondem às diferenças que existem entre pessoas: grau de escolaridade, situação socioeconômica, faixa etária, origem geográfica, etnia, sexo etc. (BAGNO, 2001, p. 41).

Esses fatores descritos acima representam quem o falante é, e, conforme destaca o linguista Louis Jean-Calvet, no livro Sociolinguística: uma introdução crítica “(…) as línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes” (p. 12). Linguagem e sociedade estão conectadas: a diversidade linguística é um fenômeno constitutivo da linguagem, e essa diversidade de modos de se expressar em uma língua é chamada de variação linguística. De acordo com o linguista Marcos Bagno, no livro O Preconceito Linguístico, essa diversidade linguística é estigmatizada.

O autor elenca oito mitos em relação à noção de língua:

  • Mito 01: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Segundo o autor (2007a, p.15), no Brasil, a língua apresenta um elevado grau de diversidade e de variabilidade, as quais já estão sendo aceitas pelas instituições.
  • Mito 02: “Brasileiro não sabe português, só em Portugal se fala bem português”. O autor (2007a, p.20) explica que isso é um grande equívoco, falamos português, temos nossa língua própria e uma pronúncia única. Não há, de acordo com o autor, nem uma “raça pura” tão pouco haveria uma “língua pura” com um único e específico modo de falar.
  • Mito 03: “Português é muito difícil”. Bagno (2007a, p.35) esclarece que o Português é uma língua como qualquer outra, pois uma criança não tem sequer a ideia do que sejam as normas gramaticais; no entanto, aprende a falar. Todo o nativo de um determinado lugar ou país vai aprender a língua do seu povo ou país.
  • Mito 04: “As pessoas sem instrução falam tudo errado.” Conforme Bagno (2007a, p.40), isso é um mito porque não existe uma única língua portuguesa, então falar de outro modo não deve ser considerado errado, feio ou equivocado, temos como exemplo as palavras “Cráudia”, “chicrete”, “praça”, “pranta” etc. Logo, o autor indica que não há apenas o português padrão. Essas palavras sofrem alterações em função dos fatores extralinguísticos indicados anteriormente. O papel da educação é orientar os estudantes em relação a situações em que esses diferentes registros linguísticos são permitidos ou não.
  • Mito 05: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão” Bagno (2007a, p.46) aponta que isso é um grande equívoco, pois esse aspecto é atribuído ao registro linguístico falado no Maranhão em função apenas do fato de que os maranhenses usam constantemente o pronome “tu” com a correta concordância verbal.
  • Mito 06: “O certo é falar assim porque se escreve assim”. Para Bagno (2007a, p.52), isso não é somente um preconceito como também um erro, visto que dependendo do lugar e da cultura, as pessoas se expressam pela fala de diferentes formas, por exemplo, o carioca fala de uma maneira; o paulista e o gaúcho, por exemplo, falam de outra.
  • Mito 07: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Segundo Bagno (2007a, p.62), isso é um mito, pois, se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores, porém não são. Grandes escritores como Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade dizem estar longe das normas gramaticais.
  • Mito 08: “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”. Para Bagno (2007a, p.69), isso é um mito, porquanto não é só a elite que sabe, via de regra, a norma culta. O autor exemplifica apontando que um grande fazendeiro – supostamente iletrado – não passou pelo processo formal de educação e poderá, mesmo assim, ter posses e recursos financeiros. Por outro lado, um professor de português, às vezes, nem sequer o salário recebe. Bagno ainda ressalta que não adianta saber a norma culta e não ter uma moradia digna. O autor salienta que o poder no Brasil está concentrado em indivíduos que não dominam a norma culta da gramática, todavia, são homens heterossexuais oriundos de oligarquias. E conclui o Mito 08 apontando que: “falar em língua é falar em política”.

Por fim, observa-se que é necessário desconstruir a visão errônea de que existe apenas uma língua ou somente a norma padrão ou a norma culta. Há diversos “portugueses brasileiros” e é, por isso, necessário conscientizar as pessoas sobre as diferenças na língua de modo que elas possam monitorar a fala de acordo com a situação. Ou seja, a pergunta não é: “é certo ou errado falar assim?” mas sim: “essa variedade é adequada a essa situação ou não?”.

Cristina dos Santos Lovato é Doutora em Letras, Estudos Linguísticos, e docente na UNIPAMPA, campus Itaqui. Email: cristinalovato@unipampa.edu.br.
Mariane Larrissa Debus é acadêmica do curso de Letras EaD da UNIPAMPA, oferta UAB, polo Itaqui/RS. E-mail: marianedebus.aluno@unipampa.edu.br.

Referências Bibliográficas
BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro?: um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola editorial, 2001.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 49ª ed., São Paulo Editora Loyola, 2007a.
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola editorial, 2007b.
CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola Editoria, 2002.

Quer saber mais sobre os autores citados no texto? Acesse Marcos Bagno e Louis-Jean Calvet.

Versão do texto em *.pdf: clique aqui.

Edição de Walker Douglas Pincerati.