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É certo “falar errado”?

por Cristina dos Santos Lovato e Mariane Larrissa Debus

É notório que há modos de falar diferentes e sotaques distintos. Todavia, esses diferentes modos de falar não estão errados porque não há um único modo de utilizar a língua. Inclusive você já deve ter percebido que não escrevemos como falamos, que dependendo da situação adotamos um registro linguístico mais formal e que o modo de falar sulista é diferente do nortista. A Sociolinguística veio para mostrar que a língua é um organismo vivo, e que ela, a língua, vai variar conforme o espaço, o tempo, a história e o falante.

Segundo o linguista, filólogo e tradutor Marcos Bagno (2007b, p. 59), “a variação linguística é um tema muito interessante em si mesma”, é um fenômeno da linguagem capaz de explicar muitas coisas sobre a língua e os processos de mudança linguística”.

Se empreendermos uma grande viagem pelo Brasil, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, recolhendo os modos de falar das pessoas de todas as regiões, de todos os estados, das principais cidades, da zona rural etc., vamos perceber que existem diferenças nesses modos falar (…). Há muita semelhança, também, mas são as diferenças que chamam mais a atenção e que permitem classificar esses variados modos de falar. Quando você consegue identificar os traços característicos de um determinado modo de falar a língua, você pode chamá-lo de variedade (grifo do autor). Se você, em vez de sair viajando pelo país, decidir estudar os modos de falar das pessoas de um mesmo lugar – uma grande cidade, por exemplo –, vai notar também que a variedade falada nesse lugar apresenta diferenças que correspondem às diferenças que existem entre pessoas: grau de escolaridade, situação socioeconômica, faixa etária, origem geográfica, etnia, sexo etc. (BAGNO, 2001, p. 41).

Esses fatores descritos acima representam quem o falante é, e, conforme destaca o linguista Louis Jean-Calvet, no livro Sociolinguística: uma introdução crítica “(…) as línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes” (p. 12). Linguagem e sociedade estão conectadas: a diversidade linguística é um fenômeno constitutivo da linguagem, e essa diversidade de modos de se expressar em uma língua é chamada de variação linguística. De acordo com o linguista Marcos Bagno, no livro O Preconceito Linguístico, essa diversidade linguística é estigmatizada.

O autor elenca oito mitos em relação à noção de língua:

  • Mito 01: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Segundo o autor (2007a, p.15), no Brasil, a língua apresenta um elevado grau de diversidade e de variabilidade, as quais já estão sendo aceitas pelas instituições.
  • Mito 02: “Brasileiro não sabe português, só em Portugal se fala bem português”. O autor (2007a, p.20) explica que isso é um grande equívoco, falamos português, temos nossa língua própria e uma pronúncia única. Não há, de acordo com o autor, nem uma “raça pura” tão pouco haveria uma “língua pura” com um único e específico modo de falar.
  • Mito 03: “Português é muito difícil”. Bagno (2007a, p.35) esclarece que o Português é uma língua como qualquer outra, pois uma criança não tem sequer a ideia do que sejam as normas gramaticais; no entanto, aprende a falar. Todo o nativo de um determinado lugar ou país vai aprender a língua do seu povo ou país.
  • Mito 04: “As pessoas sem instrução falam tudo errado.” Conforme Bagno (2007a, p.40), isso é um mito porque não existe uma única língua portuguesa, então falar de outro modo não deve ser considerado errado, feio ou equivocado, temos como exemplo as palavras “Cráudia”, “chicrete”, “praça”, “pranta” etc. Logo, o autor indica que não há apenas o português padrão. Essas palavras sofrem alterações em função dos fatores extralinguísticos indicados anteriormente. O papel da educação é orientar os estudantes em relação a situações em que esses diferentes registros linguísticos são permitidos ou não.
  • Mito 05: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão” Bagno (2007a, p.46) aponta que isso é um grande equívoco, pois esse aspecto é atribuído ao registro linguístico falado no Maranhão em função apenas do fato de que os maranhenses usam constantemente o pronome “tu” com a correta concordância verbal.
  • Mito 06: “O certo é falar assim porque se escreve assim”. Para Bagno (2007a, p.52), isso não é somente um preconceito como também um erro, visto que dependendo do lugar e da cultura, as pessoas se expressam pela fala de diferentes formas, por exemplo, o carioca fala de uma maneira; o paulista e o gaúcho, por exemplo, falam de outra.
  • Mito 07: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Segundo Bagno (2007a, p.62), isso é um mito, pois, se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores, porém não são. Grandes escritores como Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade dizem estar longe das normas gramaticais.
  • Mito 08: “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”. Para Bagno (2007a, p.69), isso é um mito, porquanto não é só a elite que sabe, via de regra, a norma culta. O autor exemplifica apontando que um grande fazendeiro – supostamente iletrado – não passou pelo processo formal de educação e poderá, mesmo assim, ter posses e recursos financeiros. Por outro lado, um professor de português, às vezes, nem sequer o salário recebe. Bagno ainda ressalta que não adianta saber a norma culta e não ter uma moradia digna. O autor salienta que o poder no Brasil está concentrado em indivíduos que não dominam a norma culta da gramática, todavia, são homens heterossexuais oriundos de oligarquias. E conclui o Mito 08 apontando que: “falar em língua é falar em política”.

Por fim, observa-se que é necessário desconstruir a visão errônea de que existe apenas uma língua ou somente a norma padrão ou a norma culta. Há diversos “portugueses brasileiros” e é, por isso, necessário conscientizar as pessoas sobre as diferenças na língua de modo que elas possam monitorar a fala de acordo com a situação. Ou seja, a pergunta não é: “é certo ou errado falar assim?” mas sim: “essa variedade é adequada a essa situação ou não?”.

Cristina dos Santos Lovato é Doutora em Letras, Estudos Linguísticos, e docente na UNIPAMPA, campus Itaqui. Email: cristinalovato@unipampa.edu.br.
Mariane Larrissa Debus é acadêmica do curso de Letras EaD da UNIPAMPA, oferta UAB, polo Itaqui/RS. E-mail: marianedebus.aluno@unipampa.edu.br.

Referências Bibliográficas
BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro?: um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola editorial, 2001.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 49ª ed., São Paulo Editora Loyola, 2007a.
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola editorial, 2007b.
CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola Editoria, 2002.

Quer saber mais sobre os autores citados no texto? Acesse Marcos Bagno e Louis-Jean Calvet.

Versão do texto em *.pdf: clique aqui.

Edição de Walker Douglas Pincerati.

Um convite à leitura de “O Discurso Político em Sociedades Pós-Digitais” (2020), de Jan BLOOMAERT

por Walker Douglas Pincerati e Cristina dos Santos Lovato

   Como uma pessoa pode ganhar uma eleição ou mesmo “governar” um país via Twitter? Por que e como as postagens desse tipo de pessoa “viralizam” nas redes sociais? Como analisar e, consequentemente, enfrentar essa espécie de “populismo”? Respostas são dadas a essas questões pelo linguista belga Jan Bloommaert em seu texto O Discurso Político em Sociedades Pós-Digitais, publicado em maio deste ano, no dossiê “Mecanismos digitais e semióticos dos populismos contemporâneos”, organizado pelo linguista brasileiro Daniel N. Silva, no número mais recente da revista Trabalhos em Linguística Aplicada. (Clique nos hiperlinks em azul para acessar textos e outras informações!)

   No texto, ele defende que vivemos em um novo ambiente: o pós-digital; que neste novo ambiente nossas práticas e interações acontecem no “nexo online-offline”, e que qualquer análise de discursos políticos deve considerar as novas condições de interação no ambiente pós-digital. Por isso, entende que devemos abandonar o modelo da “propaganda de massa”, a mass media, que está sustentada numa visão estatística de população, isto é, de “o público” enquanto “as massas”, visão essa que imaginariamente diria de uma “opinião pública”. Ele diz que a esfera pública é profundamente fragmentada e complexa e que as novas tecnologias exploram essa fragmentação, produzindo micro-marketings. Assim, a comunicação não pode ser mais pensada como um circuito linear de transmissão de mensagens que, por meio de um canal, chegariam a um receptor que as decodificaria de forma homogênea e transparente. Esse circuito linear de transmissão no modelo de mass media se daria do líder (o emissor), que comunicaria uma mensagem, via mídias de massa (o canal), a ser decodificada pelas massas (o receptor), vistas como bloco homogêneo e estatístico.

   No Twitter a interação é de outra ordem. Ela é indireta. Ela é mediada por algoritmos. Por isso, um dos participantes da interação não é humano. Eu posso gostar de uma postagem e compartilhá-la. Outra pessoa, porém, pode não gostar dela e compartilhá-la – retweetá-la – com o propósito de difamação ou crítica negativa. O algoritmo, no entanto, não está interessado em críticas positivas ou negativas, mas no alcance de circulação da mensagem em bolhas ou nichos diferentes. E pouco importa a data em que se retweetou. O importante é retweetar!

   No contexto da análise de discursos políticos, isso tudo nos lembra um ditado popular que hoje, talvez mais do que nunca, tem muito sentido para o político: “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim!

Quer saber mais!? Assista ao vídeo clicando aqui e leia o artigo original disponível aqui. Boa leitura!!!

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