A violência contra crianças e adolescentes é um fenômeno social e global e o lapso entre a violência em suas manifestações cotidianas e a notificação (registro de denúncias e atendimentos) é enorme, sinalizando um imenso desafio para a construção de ações públicas para a proteção dessa população.
Em pesquisa documental realizada no ano de 2018, nos relatórios de registros de denúncia do Disque Direitos Humanos (Disque 100) entre os anos de 2016 a 2017, verificou-se uma diminuição de 45,71% nos registros em nível nacional. A realidade sul rio-grandense expressa um índice de expressiva queda nas denúncias, em torno de 54,98%, ficando atrás apenas dos Estados do Acre (56, 63%) e do Amazonas (56,21%).
Esses dados se não examinados de forma cuidadosa, podem nos levar ao erro de identificar que a violência contra crianças e adolescentes vem diminuindo significativamente no cenário brasileiro, ou seja, que o decréscimo nos registros sinalizaria uma importante redução de situações violadoras dos direitos infantojuvenis. Contudo, em um movimento de análise mais atenta é possível perceber que por detrás dessa ilusão existe um grave problema, que é a subnotificação da violência.
Afinal, o que é a subnotificação? A subnotificação consiste na ausência de dados sobre a violência, o não registro ou o registro incompleto dos atendimentos contribui para o ocultamento das situações de violência contra a criança e adolescente.
Diante a esse contexto, em 2018 realizou-se uma pesquisa que objetivou mapear as expressões de violência contra o segmento infantojuvenil e as estratégias para o seu enfrentamento em um município da Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. A análise nos documentos de atendimento, possibilitou identificar que as vítimas de violência tem idade e gênero. Entre os anos de 2016 e 2018/1 foram atendidas 23 meninas e 16 meninos, representando uma diferença de 18%, assim podemos identificar que meninas sofrem mais com situações de violência no município.
Os dados referentes a faixa etária possuem significativa variação, entre os anos de e 2017 e 2018/1 o grupo etário dos 03 aos 08 anos de idade foi predominante nos registros de atendimento, no entanto, entre os anos de 2016 e 2017 a faixa etária prevalecente fora de adolescentes entre 12 e 14 anos, demonstrando uma variação entre crianças e adolescentes.
Outro dado interessante descoberto pela pesquisa, refere-se ao hiato entre o número de denúncias em comparação ao número de atendimentos às crianças e adolescentes no ano de 2017. Conforme os quadros abaixo:
Quadro 1 e 2: Denúncias e Atendimentos de 2017
Denúncias Registradas pelo Conselho Tutelar – 2017 | |
Negligências | 149 |
Abuso Sexual | 28 |
Exploração Sexual |
18 |
Violência Psicológica |
0 |
Violência Física |
75 |
Total | 270 |
Quadro 1
Atendimentos Registrados – 2017 | |
Negligência | 4 |
Violência Sexual | 14 |
Violência Física | 4 |
Violência Psicológica | 0 |
Total | 21 |
Quadro 2
Essa discrepância entre o quantitativo de denúncia em relação ao de atendimento levou a equipe da pesquisa estabelecer duas hipóteses explicativas, que são elas:
1º O processo de confirmação da violação de direitos: Cabe ao Conselho Tutelar verificar a existência da violência e encaminhar as crianças, adolescentes e suas famílias para as entidades de atendimento da rede de proteção. O Conselho Tutelar ao averiguar a inexistência de situações e fatores violadores aos direitos desta população procede ao arquivamento do caso e/ou encaminhamento para algum serviço de atenção preventiva ou para as demais políticas sociais.
2: Rota Crítica 2 : Diz respeito ao caminho que as crianças, adolescentes e suas famílias percorrem na busca pelo rompimento com a violência, acrescentando-se nesse trajeto os obstáculos institucionais, políticos e estruturais que não raras vezes incidem para que a violência permaneça no silêncio.
As contribuições da pesquisa foram tecidas na perspectiva de elaborar pela primeira vez no município, dados estatísticos e informacionais sobre a situação da violência contra o segmento infantojuvenil. É notório que para a construção de políticas públicas atentas às particularidades da realidade local é fundamental a identificação da violência por meio de dados mensuráveis que possibilitem conhecer as peculiaridades da violência, perfil sociodemográfico das crianças, adolescentes, famílias e dos/as autores/as da violência, assim como das modalidades de atendimento e encaminhamento realizados.
A ausência de registros ou o preenchimento incorreto dos formulários de atendimento evidencia uma barreira significativa para a construção de dados confiáveis sobre a violência contra crianças e adolescentes, uma vez que as informações disponíveis são superficiais e desconexas. A partir dessa constatação empírica, a pesquisa segue compromissada em contribuir com subsídios teórico-práticos, para a organização dos documentos institucionais, a fim de promover um olhar ampliado dos/as profissionais sobre a importância do registro completo das particularidades da violência contra crianças e adolescentes.
Indicações de Leitura:
ANDI. Comunicação e Direitos. Disponível em: <https://www.andi.org.br/>.
BRASIL. Direitos da Criança e Adolescente. Violência contra Crianças e Adolescentes: Análise de Cenários e Propostas de Políticas Públicas. Ministério dos Direitos Humanos. Secretaria Nacional de Proteção dos / elaboração de Marcia Teresinha Moreschi –Documento eletrônico – Brasília: Ministério dos Direitos Humanos, 2018. Disponível em:< http://www.mdh.gov.br/biblioteca/consultorias/conada/violencia-contra-criancas-e-adolescentes-analise-de-cenarios-e-propostas-de-politicas-publicas.pdf>. CHILDHOOD Brasil. Pela Proteção da Infância. Disponível em: <https://www.childhood.org.br/>.
Dra. Monique Soares Vieira
Docente da Universidade Federal do Pampa
Curso de Serviço Social – Campus São Borja
Coordenadora da Pesquisa “A cartografia da violência contra crianças e adolescentes”