por Larissa Bruchard e Sara Feitosa
Surtos de doenças infecciosas com origem em outros animais transmitidas para humanos, as chamadas zoonoses, cristalizam algo que ambientalistas e cientistas têm apontado já há algum tempo: que o desequilíbrio do ecossistema afeta a vida no planeta.
Para ficar só no âmbito das epidemias e pandemias, podemos mencionar, num período bem recente, os surtos de Ebola, de gripe aviária, de gripe suína (H1N1), de Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), de Síndrome Respiratória Aguda Súbita (SARS), de vírus do Nilo Ocidental, de Zikavírus, dentre outros. Contudo, nenhum desses surtos de doenças infecciosas alcançou a magnitude dos impactos sociais e econômicos gerados pela pandemia do novo coronavírus, o Sars-CoV-2, que provoca a COVID-19. Talvez os surtos infecciosos anteriores tenham sido apenas um ensaio para o que estava por vir… Mas parece que a sociedade não aprendeu muita coisa com eles, porque até o momento a pandemia de COVID-19 tem revelado que a sociedade e o sistema econômico não estão preparados para enfrentar um evento complexo de grande magnitude.
Enquanto escrevemos este texto, o mundo registra mais de 2,5 milhões de óbitos. O Brasil ultrapassou a triste marca de 250 mil vítimas fatais passado um ano do registro do primeiro caso de COVID19 no país. O sistema de saúde, na maioria dos estados, sinaliza um colapso próximo e a imunização da população avança a passos lentos. Somos o terceiro país em número de casos e o segundo em número de mortes no mundo. O quadro inclui ainda um cenário de crise econômica jamais vista na história da humanidade. Neste momento, toda a atenção está centrada no enfrentamento da COVID-19 e na aceleração do processo de vacinação da população global. Por outro lado, tem a atenção para medidas que buscam reduzir as perdas econômicas e garantir o emprego e a renda de populações mais vulneráveis agora e no pós-pandemia. O que ainda não tem merecido a devida importância neste debate são as mudanças sociais e econômicas necessárias para recuperar e proteger os ecossistemas. Parece óbvio que dependamos do meio ambiente, e não o contrário, e que crises recentes enfrentadas pela sociedade têm uma importante relação com a ecologia, com os ecossistemas. Mesmo assim, minimizamos a necessidade de aceitar que não temos um plano “B” no que diz respeito ao planeta.
Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Stanford (EUA) revelou que a perda da cobertura vegetal, ou seja, o desmatamento pode contribuir para a disseminação de doenças contagiosas para humanos, o chamado “spillover”. Isso porque o desmatamento abre a possibilidade do contato dos humanos com vírus antes restritos a habitats ou animais com os quais não tínhamos tantos contatos. O exemplo mais famoso, até o surgimento do Sars-CoV-2, é o vírus HIV que provoca a AIDS. Ele foi transmitido aos humanos pelo chimpanzé. Estudo do PNUMA de 2016 já mostrava que “60% de todas as doenças infecciosas emergentes nos seres humanos são zoonóticas e estão intimamente ligadas à saúde dos ecossistemas”.
Nos primeiros meses da pandemia, o impacto do confinamento provocado pela pandemia gerou uma percepção de melhoria mesmo que temporária das condições ambientais nos centros urbanos. Um estudo publicado em maio de 2020 na revista Nature Climate Change identificou uma redução média de 17% nas emissões diárias globais de gás carbônico (CO2) no início de abril de 2020, em comparação com a média do mesmo período de 2019. O estudo considerou seis setores econômicos: energia, indústria, transporte de superfície, aviação, edifícios públicos e comércio e o setor residencial. Porém, enquanto atividades classificadas como não essenciais foram totais ou parcialmente paralisadas em áreas urbanas, o desmatamento de florestas tropicais seguiu acelerado. E não foi apenas a Amazônia que sofreu um ataque severo durante a pandemia, outras regiões do mundo, como Nova Gales do Sul (Austrália), o Ártico Siberiano e a costa oeste dos Estados Unidos sofreram com grandes incêndios que devastaram grandes áreas florestais. É possível que as emissões provocadas pela perda florestal tenham contrabalanceando ao menos parte das emissões reduzidas por outros setores. Pois as florestas estocam grande quantidade de carbono, e com o desmatamento ocorre a liberação desse carbono para a atmosfera sob forma de CO2, o gás dióxido de carbono. Dados mostram que o desmatamento contribui com cerca de 10% das emissões globais anuais desse gás. No Brasil, as mudanças do uso da terra representam 44% do total das emissões de CO2.
E o bioma Pampa fica como nisso?
Nos gráficos abaixo, você̂ vê̂ a análise que fizemos a partir dos dados disponíveis do projeto MapBiomas, que mapeia o uso do solo no Brasil. Nas dez cidades onde a UNIPAMPA atua, os gráficos mostram a taxa de crescimento de hectares de 2009 até́ 2019, separando a quantidade de terras para uso da agricultura e a terra com florestas nativas nos municípios. Bagé́, Caçapava do Sul, Santana do Livramento e São Borja apresentaram um aumento de mais de 60% do uso das terras para agricultura, enquanto as florestas nativas não passaram de 15%. Outros municípios, como Jaguarão e São Gabriel, que já tinham uma quantidade grande de terra para a agricultura, aumentaram em dez anos o uso da terra em mais 20 mil hectares.
Os dados são um caminho para observarmos melhor o uso dos solos no bioma pampa. Porém, de acordo com Daniel Hanke, professor da UNIPAMPA, por ocupar um espaço pequeno do país, apenas recentemente pesquisas se voltam para o Pampa. O desconhecimento faz com que a agricultura não tenha subsídios específicos para o tipo de solo em cada região. O Pampa possui um solo sensível e a plantação de monoculturas, como a soja, provoca a erosão da terra, que pode demorar anos para se recuperar. Além disso, os campos sulinos formam um conjunto de ecossistemas que se comportam de maneira diferente nas regiões, esclarece Hanke.
Para saber mais, acesse o primeiro vídeo da série E quando a pandemia acabar?, clicando aqui.
Revisão e edição de Walker Douglas Pincerati.