Por Tuãne Araújo.
Altas taxas de reinternações, doenças mentais e mortalidade de pacientes após meses de alta hospitalar são preocupantes
As sequelas a longo prazo que a COVID-19 pode deixar em pessoas infectadas preocupa todo o sistema de saúde. A corrida para a vacinação é a mesma para entender quais as consequências que a infecção do SarS-CoV-2 pode ocasionar pós recuperação. A Organização Mundial de Saúde (OMS) realizou, no dia 9 de fevereiro, uma reunião virtual para tentar desvendar, através de pesquisas e estudos, as complicações que o vírus está ocasionando a grande parte da população. A única pesquisa brasileira apresentada foi a Coalizão COVID Brasil, que começou com a parceria entre o Hospital Israelita Albert Einstein, HCor, Hospital Sírio Libanês, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, Hospital Moinhos de Vento (Porto Alegre) e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet), que reúne médicos e pesquisadores de todas as regiões do Brasil, junto com o Ministério da Saúde, para avaliar qual a eficácia e se há segurança nos medicamentos que estão sendo prescritos para os pacientes positivados com o novo coronavírus. Ao todo são nove estudos variados sobre o uso de medicamentos até ao uso de drogas antivirais para possíveis tratamentos preventivos. A Coalizão VII avalia o impacto a longo prazo, após alta hospitalar, incluindo qualidade de vida de pacientes que tiveram COVID-19.
Sintomas da COVID continuam após meses da infecção
Para Regis Goulart Rosa, médico intensivista e pesquisador do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, e representante da Coalizão COVID Brasil, os sistemas de saúde devem se preparar para o tratamento intensivo de recuperação dos pacientes com Long Covid, um fenômeno que faz com que os infectados fiquem com sequelas a longo prazo. Os sintomas podem persistir dos casos leves aos mais graves, afetando coração, pulmões, rins e intestino. O projeto Coalizão VII ainda está em andamento e conta com a participação de mais de mil pessoas que já foram infectadas. Estas são monitoradas por ligações a cada três, seis, nove e 12 meses após a alta hospitalar.
Os pacientes têm em torno de 52 anos, sendo 60% homens. O tempo médio que estes pacientes precisaram ficar internados é de nove dias, e 1/4 precisou de ventilação mecânica. O levantamento repercute que 40% dos pacientes que estiveram na UTI precisaram ser internados mais uma vez para o tratamento de sequelas. As reclamações mais recorrentes são o cansaço e falta de ar, prejudicando a produtividade e a qualidade de vida. O estudo mostra que 20% dos entrevistados que precisaram da ajuda de aparelhos para respirar não voltaram ao trabalho seis meses após a saída do hospital. Dos que não precisaram de ventilação mecânica durante a infecção, apenas 5% retornaram ao emprego.
A Coalizão VII constatou que um a cada quatro pacientes que foram intubados na UTI morrem em até seis meses após alta hospitalar, em consequência de alguma complicação da doença. Os dados mostram que 46,3% das pessoas que precisaram de ventilação mecânica, 66,3% morreram. Aqueles que não precisaram do tratamento intensivo representam 9% no índice de mortalidade. A porcentagem não representa um problema no processo de intubação e, sim, a gravidade da sequela deixada após a infecção. A intubação feita de forma correta e no momento certo, o contrário que muitos pensam, salva vidas.
Outro número que chama atenção é o da mortalidade ser maior por pacientes que utilizaram o SUS (Sistema Único de Saúde), representando 49,4% das mortes, enquanto nos hospitais particulares é de 27,2%, no primeiro ano da pandemia. Isso ocorre porque aqueles que procuram o serviço público têm a possibilidade maior de ter comorbidades, além de enfrentar filas e falta de UTIs. A demora do serviço e atendimento aumenta a gravidade da COVID19. Nos pacientes que não precisaram de ventilação mecânica, o índice de morte entre os hospitais públicos e particulares é menor, sendo, respectivamente, 70,5% e 63,6%.
Para além da saúde física
Além dos problemas cardiológicos, respiratórios, neurológicos e fraqueza muscular, o que também vem preocupando os médicos é a precariedade da saúde mental daqueles que precisaram ficar hospitalizados. O estresse pós-traumático, ansiedade e depressão são algumas doenças que os profissionais da saúde consideram como sequelas da infecção da COVID-19, independente da gravidade da doença. Os pacientes mais graves vêm apresentando a chamada “síndrome pós-UTI”, que acarreta a fraqueza muscular e redução da capacidade física. Os dados apontam que 52% dos pacientes pós-UTI têm sequelas mentais: 22% dos pacientes desenvolveram ansiedade, 19% depressão e 11% estresse pós-traumático. Os outros 48% pacientes que foram internados em UTI e acompanhados pelo estudo não reportaram sequelas mentais.
Um estudo brasileiro realizado pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/FMUSP) mostra que a COVID-19 pode também deixar problemas cognitivos. Perda de memória recente, desorientação, dificuldade de concentração e desequilíbrio são efeitos tardios da doença. Ainda na fase inicial, o estudo envolveu 185 participantes, 80% apresentaram dificuldades em realizar atividades comuns do dia a dia, déficit no raciocínio e problema na compreensão.
Com o Coalizão VII, os médicos e pesquisadores pretendem entender o cenário pós-covid e criar estratégias para o tratamento e reabilitação dos pacientes. O diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, acredita que o conhecimento sobre a “Covid-longa” ou “Covid-prolongada”, ainda está no início e deve se prolongar por alguns anos. Tedros Ghebreyesus também defende que essas informações devem chegar à comunidade, como forma de enfrentamento mais rápido das consequências do coronavírus.
Da recuperação a reeducação
Os cuidados intensivos com os pacientes começam na própria internação. A fisioterapeuta e professora do curso de Fisioterapia da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), Daniela Virote Kassick Müller, relata que os pacientes internados demandam cuidados desde as lacerações na pele, ocasionados pelo grande tempo em repouso, quanto a manutenção dos movimentos, articulações e funções musculares. Daniela Müller explica que aqueles que requerem de ventilação mecânica, uma vez que estão com a saturação de oxigênio baixa e precisam de ajuda para respirar, perdem a agilidade da musculatura diafragmática, que é a responsável pela respiração, deixando, assim, sequelas e os tornando pacientes tempo-dependentes. Ou seja, quanto mais tempo intubados, mas perdem a capacidade da musculatura e ficam cada vez mais dependentes da máquina. A incidência de intubação é maior para idosos porque depois dos 25 aos 30 anos de idade, há o envelhecimento natural do corpo, chamada de Sarcopenia, o processo progressivo de perda de massa muscular, incluindo do diafragma e pulmão, tornando os idosos as vítimas quase sempre fatais da doença, por terem uma fragilidade muscular mais intensa, explica a professora e fisioterapeuta.
Para Müller, o período estendido na ventilação mecânica torna as estáticas de sequelas mais cruéis e significativas. Da reeducação do diafragma à funcionalidade do corpo é o objetivo principal para os recuperados da COVID-19, “é importante dar seguimento ao tratamento para recuperar a função prévia. Dependendo da gravidade, terá paciente que precisará de acompanhamento diário, paciente com acompanhamento de duas, três vezes na semana e mais orientações. Alguns vão precisar de fisioterapia, outros de fonoaudiólogo, outros de terapeuta ocupacional. Mas de fato é importante ter o acompanhamento posterior para que se possa recuperar sua funcionalidade e, mais importante, sua independência funcional. Pacientes que ficaram com alguma sequela devem ter acompanhamento”, reitera Daniela Müller.
Esta reportagem foi originalmente produzida para o site e mídias sociais do Projeto de Ensino i4 Plataforma de Notícias – Agência Experimental do curso de Jornalismo, campus São Borja. Tuãne Araújo é repórter voluntária no projeto.
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