Jonas Anderson Simões das Neves é Professor Adjunto na UNIPAMPA, no Campus de Dom Pedrito. Possui graduação em História – Bacharelado pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (2004), Especialização em Sociologia pela Universidade Federal de Pelotas (2006), Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009) e Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Possui também Pós-Doutorado em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Atualmente, é coordenador do Curso de Educação do Campo – Licenciatura e líder do Grupo de Pesquisa e Extensão em Agricultura Familiar e Sustentabilidade Socioambiental.
O mundo enfrenta uma das maiores pandemias da história, já são mais de 5 milhões de pessoas infectadas pela Covid-19, que fez mais de 342 mil vítimas fatais. A América do Sul é o atual epicentro da doença, especialmente, pelo rápido aumento dos números no Brasil, que possui quase 350 mil casos e mais de 22 mil mortes. Nesses termos, os olhos do mundo se voltam para cá, com especial atenção ao (des)cumprimento das medidas sanitárias recomendadas pela OMS que poderiam conter a propagação do vírus. A questão é que mesmo diante da ascendência da curva de contágio e de mortes no país, o governo brasileiro minimiza o problema, ignora as orientações de autoridades de saúde e os resultados de pesquisas científicas, insistindo na defesa de protocolos infundados e que aumentam o risco à saúde da população.
Desta forma, não foi sem razão que o jornal norte-americano The Washington Post definiu o presidente brasileiro como o pior líder do mundo e que a revista científica britânica The Lancet, umas das principais publicações na área da saúde, classificou Jair Bolsonaro como maior ameaça a luta contra o Coronavírus no país, destacadamente porque tem defendido o isolamento social vertical, restrito ao grupo de risco, ao contrário do que orienta a OMS, de um isolamento horizontal, que inclui todos os grupos populacionais; bem como pela insistência na utilização da Cloroquina no tratamento da doença, num protocolo que foi mantido mesmo após a publicação de estudo científico acerca do uso da droga, pela própria revista The Lancet e que concluiu que além de não ser eficaz no tratamento da Covid-19, o uso do medicamento aumenta o risco de morte.
Ao final deste ano estaremos chegando ao final da segunda década do século XXI, mas ao contrário do que vivenciamos ao final da primeira, o Brasil deixou de ocupar o protagonismo que tinha no cenário internacional, sendo apontado como referência e potencial liderança mundial. Ao final de 2009, a revista britânica The Economist trazia em sua capa uma montagem da imagem do cristo redentor decolando, seguida da seguinte mensagem: “Brazil Takes Off”, em tradução livre, “O Brasil Decola”. Se é verdade que a manchete revelava algum exagero, não era sem razão que recebia aquele destaque, ao longo dos primeiros dez anos deste século o Brasil destacava-se por seu crescimento econômico, revertido em redução da pobreza e diminuição das desigualdades sociais; pela resposta bem sucedida dada à crise econômica mundial de 2008 e por sua liderança entre os BRICS, grupo dos principais países com economias em desenvolvimento.
Neste período, o crescimento econômico brasileiro teve como principal base de sustentação a exploração dos recursos naturais, fundamentalmente a exportação de commodities agrícolas e minerais, revertidas em políticas sociais e em investimentos públicos, principalmente, nas áreas de infraestrutura, pesquisa e educação. A sustentabilidade desse modelo, baseado na ampliação da pressão sobre a natureza, precisa ser questionada; no entanto, é preciso reconhecer que naquele momento houve significativa melhoria da qualidade de vida dos estratos mais pobres da população; ampliou-se o acesso educacional; obras estruturantes foram levadas adiante, mesmo que nem todas concluídas; o capital privado contou com linhas de financiamento altamente favoráveis e o setor público, incluindo as estatais, recebeu significativos investimentos.
Dentre os resultados desses investimentos no setor público, chamou atenção do mundo a descoberta de uma reserva oceânica de petróleo na costa brasileira, que apenas a Petrobras possuía tecnologia para explorar. Logo após a descoberta do pré-sal, ficou estabelecido que a estatal brasileira seria a única operadora e partícipe obrigatória dos leilões de petróleo, com parte de seus royalties sendo destinados obrigatoriamente para a educação e a saúde. No entanto, grupos econômicos internacionais se articularam para desestabilizar o sistema político e econômico do país e garantir a maior fatia daquelas riquezas, conforme revelou a Organização Transnacional sem fins lucrativos Wikileaks.
Em meio a esse processo, em 2012, se vivenciaria o agravamento da crise econômica mundial de 2008, mas a conjuntura era outra e a resposta também foi; ao invés do investimento em medidas contracíclicas e de fomento à economia, a opção foi por reduzir os investimentos públicos, iniciativa que se mostrou ineficaz e ampliou a crise. Neste cenário, no ano seguinte alguns grupos saem às ruas para protestar contra o aumento das tarifas do transporte coletivo, passando a contar, em seguida, com a simpatia e adesão de outros segmentos insatisfeitos com o governo, mas bastante difusos ideologicamente. Mesmo diante deste cenário de instabilidade e com acusações de corrupção reveladas pela operação lava-jato, Dilma Roussef é reeleita presidente do Brasil, mas não governa e cai, vitimada por um golpe dois anos depois.
Entra em cena então mais um ator decisivo para a derrocada da imagem e das expectativas do mundo em relação ao Brasil, a operação lava-jato. Neste sentido, o problema nunca esteve em seus objetivos e acertos, desvelando um complexo sistema de corrupção articulado internacionalmente e que teve no Brasil um de seus centros de atuação, conforme revelado pelo Panama Papers, mas sim na forma pela qual foi conduzida, com métodos questionáveis de obtenção de provas, acusações nem sempre transparentes e muitos vazamentos e divulgações de informações que interferiram diretamente em processos eleitorais. Conforme indicam informações reveladas pelo Wikileaks, essa operação parece ter nascido como desdobramento do Bridge Project, acordo que previa a troca de experiências entre Brasil e Estados Unidos acerca do combate à corrupção.
O fato é que a recessão econômica associada à fragilidade do governo, diante de manifestações populares contrárias que se multiplicavam com ampla repercussão e respaldo da mídia; aos desdobramentos da operação lava-jato e a própria dificuldade de articulação política do governo não tardaram a resultar num processo de impeachment da presidente. Uma das primeiras ações do novo presidente foi quebrar a prioridade da Petrobras nos leilões de bacias do pré-sal, a partir de projeto do então deputado José Serra, que segundo a Wikeleaks teria trocado telegramas com petroleiras quando candidato a presidência, bem como encaminhar Medida Provisória com isenções à indústria de petróleo até 2040, com valores estimados em mais de 1 trilhão de reais. O governo Temer também ficou marcado por escândalos de corrupção, incluindo um processo de impeachment que não foi levado adiante em troca de cargos no governo e pela grande liberação de recursos para emendas parlamentares; pela aprovação da contrarreforma trabalhista, que destroçou direitos dos trabalhadores; pela tentativa de flexibilizar o trabalho escravo e pelo afrouxamento das legislações ambientais e que facilitaram a exploração estrangeira sobre os recursos naturais brasileiros.
O projeto de quebrar a nascente soberania brasileira do século XXI, quando parecia que finalmente o país estava atingindo sua maioridade enquanto nação independente e colocá-lo de novo sob o big stick norte-americano ganhou força após o golpe, mas atingiu proporções maiores com a eleição de Jair Bolsonaro, que teve sua estratégia de campanha desenhada pelo ex-assessor de Donal Trump, Steve Bannon, retomando-se um alinhamento entre os países semelhante ao período da ditadura militar. O atual governo sempre fez questão de ressaltar sua afeição aos Estados Unidos, mesmo que a recíproca não seja verdadeira, num processo definido pela revista americana Jacobin como “pathetic submissiveness”, em tradução livre, submissão patética.
Não obstante, o governo tem comprometido ainda mais a imagem e a credibilidade do país com atitudes que beiram ao absurdo, tais como o despreparo demonstrado no discurso de abertura do Fórum Econômico Mundial de Davos; a tentativa do presidente de indicar seu filho, sem qualquer formação, para a embaixada dos Estados Unidos; a negação das queimadas na Amazônia, chegando ao ponto de exonerar o pesquisador responsável pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) por divulgar os dados e acusar, sem qualquer prova, o ator Leonardo Di Caprio pelas queimadas; a tentativa de culpar a Venezuela, também sem provas, pelo vazamento de óleo em praias brasileiras; as supostas tentativas de intervenção em órgãos do judiciário; as já referidas atitudes diante da pandemia de Covid-19; entre outras tantas.
Mas, afinal, o que aconteceu com o Brasil? Ao final da década passada o governo brasileiro figurava entre as principais lideranças do mundo, o país era referência por suas políticas sociais e protagonismo econômico; atualmente, mesmo antes dos efeitos da pandemia, a economia brasileira se arrastava; as taxas de desemprego permaneciam altas; a instabilidade política desencorajava investidores; a fome e a pobreza extrema voltavam; doenças quase extintas circulavam novamente por falta de vacinação; a educação minguava diante dos cortes de recursos, enfim, os retrocessos reverberavam por todas as áreas. Mas, ao contrário do que muitos podem pensar, o que houve não foi a falência de um projeto de soberania nacional que começou a ser gestado no início deste século, mas sim o sucesso de um outro projeto, que se beneficia da pobreza, do caos e da morte, mas esse é um assunto para outra conversa.
Revisado por Cristina dos Santos Lovato