Universidade e Comunidade: problematizando a extensão universitária

A universidade brasileira é sustentada pelo tripé do ensino, pesquisa e extensão. Neste sentido, suas funções são completas quando esses três pilares se desenvolvem de forma articulada. A pesquisa produz referências para a construção do ensino e instrumento para a promoção da extensão; a extensão colabora para a popularização da ciência e qualificação das demandas ao possibilitar a comunicação entre a universidade e a sociedade. O ensino discute a realidade desvendada pela extensão e pela pesquisa e proporciona novas aprendizagens. A universidade na sua completude é assim. Nunca para ou se isola num único campo do saber ou de origem do saber. 

É neste sentido que as iniciativas de extensão universitária têm um papel fundamental, tanto para a qualificação da Universidade, quanto para a promoção de intercâmbios sociais com a comunidade onde esta inserida. Os projetos de extensão que a Universidade desenvolve buscam valorizar as atividades extensionistas na formação acadêmica, com a preocupação de integrá-la ao ensino e à pesquisa, buscando por vezes superar o ensino disciplinar.

Infelizmente, a extensão (e por vezes também a pesquisa) é um espaço periférico na formação dos estudantes. Os métodos de ensino-aprendizagem são essencialmente bancários (sala de aula) e de transferência de informação. Na maioria das Universidades brasileira, a atividade de extensão atinge poucos estudantes, são atividades isoladas, raramente integradas às atividades de ensino e, muitas vezes, não integram o “círculo” da formação professor – estudante – universidade – sociedade – professor.

O ensino disciplinar fragmenta a formação acadêmica, impossibilitando ao estudante a visão do todo e da complexidade que é o processo de aprendizado. De acordo com Saviani (2010, p. 209), as interlocuções pedagógicas entre os saberes teóricos e práticos permite a aproximação do saber popular com o saber científico possibilitando “… uma aguda consciência da realidade em que vão atuar associada a um consistente preparo teórico-científico que os capacite à realização de uma prática pedagógica coerente e eficaz”.

Ou ainda, conforme destaca Chauí (2006, p. 140), a educação democrática se viabiliza pela participação popular, pela participação do estudante enquanto sujeito, mas também de sua respectiva comunidade ou organização social, que é o meio de intervir nas tomadas de decisões políticas implicadas no coletivo, especialmente se considerar que “[…] a participação popular só será política e democrática se puder produzir as próprias leis, normas, regras e instituições que dirijam a vida sociopolítica” (CHAUÍ,2006, p.140).

Para esse desafio educativo é demandado, num primeiro momento, um “novo” educador. A transversalidade do conhecimento e a abordagem histórica crítica do referencial pedagógico proposto exige um professor que consiga atuar para além das disciplinas, de modo a conseguir se articular com outros campos do conhecimento, no caso específico, com aqueles que versam sobre as transformações da sociedade, da natureza, das comunidades, da realidade social. 

Um segundo desafio educativo, na formação profissional, é a exigência de um “novo” gestor. Alguns docentes exercem o papel de gestores na medida em que são diretores, coordenadores de curso, presidentes ou coordenadores de comissões. Para tal, o desafio é no sentido de incorporar a democracia enquanto participação popular, seja protagonizada pelas participações de membros externos da Universidade, seja protagonizada pela participação da comunidade interna de modo geral (estudantes e servidores Técnicos Administrativos). A participação dos estudantes, sujeitos aprendizes, perpassa outros espaços e momentos com potencial educativo como a reflexão sobre as vivências na sua comunidade de origem, a valorização de sua cultura, e a participação nas instâncias decisórias institucionais, especialmente por meio da organização do movimento estudantil e agremiações.

Nos últimos anos, ocorreram alguns avanços institucionais sobre a promoção e incorporação da extensão na formação universitária. Um marco importante foi a criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão e a constituição da RENEX (Rede Nacional de Extensão), que definiram o conceito expresso no I Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão:

A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. A Extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento académico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como consequência: a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional; a democratização do conhecimento académico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora desse processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social. (FORPROEXT, 2001, p. 4).

No ano de 2012 o FORPROEX estabeleceu que: “Um dos passos fundamentais em direção à universalização da Extensão Universitária está em sua inclusão nos currículos, flexibilizando-os e imprimindo neles um novo significado com a adoção dos novos conceitos de ‘sala de aula’ e de ‘eixo pedagógico’”. É importante destacar que o FORPROEX alerta que a inclusão da extensão universitária nos currículos não se trata de uma incorporação de atividades extensionistas, mas da criação de novos espaços, como componentes específicos para esta finalidade.

É importante ter claro que não se trata apenas de aproveitamento de créditos oriundos de atividades extensionistas, para efeitos de integralização curricular ou de criação de novas disciplinas relacionadas com a Extensão Universitária, mas, sim, de sua inclusão criativa no projeto pedagógico dos cursos universitários, assimilando-a como elemento fundamental no processo de formação profissional e de produção do conhecimento (FORPROEX, 2012, p. 12).

A nova legislação que assegura no mínimo 10% do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em ações de extensão universitária irá conferir créditos à atividade de extensão, atingindo assim, a totalidade dos estudantes. Entretanto, dependendo de como as Universidades implantarem a curricularização da extensão, a medida poderá se mostrar pouco eficaz e piorar ainda mais antigos problemas, como a carga horária total e tempo de permanência dos estudantes nas universidades. As discussões realizadas até o momento nas universidades brasileiras apontam para a tendência de transformar a participação dos estudantes nos projetos de extensão em créditos (o que certamente “turbinará” os projetos de extensão) e de reconhecer as atividades “extra classe” desenvolvidas pelos estudantes como atividades curriculares de extensão (Ações Complementares de Extensão – ACEx). Essas medidas podem facilitar o cumprimento da carga horária de extensão exigida; contudo, tende a não cumprir com o objetivo principal da proposta que é promover contribuições para a promoção do ensino e da pesquisa de acordo com as demandas sociais. Ou seja, o esforço de incluir a extensão nos currículos está relacionada diretamente à qualificação do ensino e da pesquisa, para além do cumprimento de uma carga horária isolada e individualizada.

A incorporação da atividade de extensão na formação universitária deveria afetar de forma sistemática o ato de apreender e ensinar na universidade – como uma integralidade articulada. A questão que deve ser colocada é de como incorporar a extensão (e a investigação) nas atividades cotidianas dos estudantes? Parece que a melhor estratégia seria sua incorporação nos componentes curriculares do núcleo rígido, com destinação de carga horária, definida previamente no currículo. Entretanto, essa é uma estratégia que exige da universidade uma centralidade e prioridade na extensão, pois implicará numa disputa por recursos (meios de transporte, estruturas de articulação com meio, etc) e por encargos didáticos.

Acredita-se que na formação universitária o desafio está muito além da distinção entre informação e conhecimento, como diria o Professor Paulo Freire (2010), de criar nos educandos as possibilidades para a própria produção e construção do conhecimento. E a criatividade dificilmente será estimulada no tradicional ensino disciplinar, com uso de métodos de ensino-aprendizagem essencialmente bancários e de transferência de informação. Nesta perspectiva, a incorporação da atividade de extensão e de pesquisa na formação universitária são um grande alento, desde que a incorporação afete de forma sistemática os métodos de aprendizagem e de ensino na Universidade.

Referências e sugestão de leitura

CHAUÍ, Marilena. Cidadania Cultural: o direito a cultura. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2006.
FÓRUM DE PRÓ-REITORES DE EXTENSÃO (FORPROEXT) DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS BRASILEIRAS.
Plano Nacional de Extensão Universitária. Ilhéus: Editus, 2001.
FREIRE, Paulo.
Extensão ou comunicação? 14. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.
SAVIANI, Dermeval.
Interlocuções pedagógicas: conversa com Paulo Freire a Adriano Nogueira. Campinas: Autores Associados, 2010.