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É preciso valorizar a educação e a ciência sempre

por Nathalia Lopes da Silva

    Em tempos de pandemia, no qual nossas vidas caminham num ritmo diferente e muitas coisas já não são mais as mesmas, algumas reflexões precisam ser feitas. Obviamente, todos e todas preferíamos que não estivéssemos passando por este momento. Contudo, diante desta inevitabilidade, faz-se necessário analisar o contexto em que vivemos.

    Muitos setores e profissionais vêm sendo fundamentais no enfrentamento ao Covid-19 e devem ser reconhecidos, auxiliados e homenageados. Profissionais da saúde, educação, ciência e das diversas outras áreas vêm trabalhando incessantemente durante esta crise. No entanto, além de prestarmos nossas homenagens às e aos profissionais, precisamos lembrar do seu esforço e do quanto os serviços prestados por eles e elas terão sido essenciais após a pandemia acabar.

   Tem algum tempo que a educação superior pública em nosso país vem sofrendo com cortes nos orçamentos e ataques públicos. Note-se, porém, que neste momento complicado pelo qual passamos todas as Instituições Federais de Educação Superior, as Universidades e os Institutos Federais, têm realizado um trabalho importante no enfrentamento à pandemia. Na região do Pampa, a UNIPAMPA desenvolve diversas ações, como a produção de álcool gel, a realização de pesquisas sobre o coronavírus no Estado, em parceria com a UFPel, a doação de EPIs em São Gabriel e emprestou respiradores para o hospital de Uruguaiana. O IFF também está produzindo álcool gel e materiais de proteção.

    Os cortes na educação afetam todas as regiões do Brasil, mas em regiões como a Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, na qual as instituições federais de ensino têm um papel ainda mais essencial, essa situação dos cortes é grave. Isso porque por estaremos em tão distantes dos grandes centros urbanos, essas instituições ofertam vagas em cursos de graduação e de pós-graduação, promovem pesquisas científicas e desenvolvem projetos de extensão e de ensino a fim de desenvolver social e economicamente a regional. E numa época como esta, atípica, elas auxiliam com recursos e conhecimentos científicos, os quais, sem elas, seriam muito pouco acessíveis.

  Assim, quando tudo passar, é preciso que lembremos que na crise, a saúde pública e a ciência sempre estão prontas a auxiliar, bem como é preciso reconheçamos os e as profissionais que terão trabalhado na pandemia e valorizar as instituições públicas sempre.

Nathalia Lopes da Silva é jornalista, pós-graduada em Comunicação e Semiótica (Unesá), mestre em Comunicação e Indústria Criativa (UNIPAMPA) e, atualmente, acadêmica em Letras – Português EaD na UNIPAMPA. Contato: nathalials.cn@gmail.com.

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O Orçamento Público como ferramenta de controle social

por Márcio Luciano dos Santos Campos e Eduardo Sanabria de Assunção

    Este artigo visa compreender a dinâmica do orçamento público, imaginando um cenário municipal como fonte principal de exercício do controle social, em uma dinâmica de avaliação por parte da sociedade local a qual abrange determinado munícipio que, por vezes, será denominado “Estado”.

      O dever em prover o bem comum pelo Estado toma forma através do orçamento público. Para tanto, dentro de limites pré-estabelecidos, o Estado precisa fornecer serviços que atendam a sociedade nas suas diversas áreas de atuação, como Saúde, Assistência Social, Segurança, Agricultura, entre outras.

   Ao tentar suprir tais carências, ele precisa de recursos financeiros, ou seja, de um planejamento econômico-financeiro e político que satisfaça suas necessidades. Esses planejamentos no Brasil, em todas as esferas de governo, são denominados como orçamentos públicos. Os orçamentos compreendem etapas que se denominam: Plano Plurianual (PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei de Orçamento Anual (LOA).

    Primeiramente, o orçamento público tem diversas definições e conceitos, mas todas convergem para o mesmo sentido e uma mesma significação. Segundo Santos (2010, p. 18) “orçamento público reúne, de forma sistemática e organizada, todas as receitas estimadas para um determinado ano e o detalhamento das despesas que o governo espera executar”. Portanto, de uma forma simples podemos dizer que orçamento é uma estimativa de receitas e uma fixação de despesas, na qual as receitas são necessárias para a execução, por parte do Estado, dos serviços necessários à sociedade.

     No que consta ao controle social de iniciativa da sociedade, este é um poder dado ao cidadão para executar a fiscalização dos atos de determinada gestão pública em seus níveis municipal, estadual e federal, para saber se foi cumprida e/ou atendida a finalidade pública. Conforme ENAP (2015, p.5):

Na Administração Pública, o ato de controlar possui significado similar, na medida em que pressupõe examinar se a atividade governamental atendeu à finalidade pública (em oposição às finalidades privadas), à legislação e aos princípios básicos aplicáveis ao setor público (legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, transparência, etc.).

      No sentido do presente, o controle social de iniciativa da sociedade, exercido através dos cidadãos e entidades de representação sociais e sindicais, permite fiscalizar a gestão municipal, sejam elas de ordem das despesas ou receitas orçamentárias. Por exemplo, os portais de transparência e a Lei de Acesso à Informação podem dar ao cidadão as informações necessárias para medir se a gestão pública está agindo com eficácia e eficiência na utilização dos recursos públicos.

     Entende-se que em sociedades menos organizadas quanto ao conhecimento abrangente sobre o orçamento público os cidadãos tentam organizar-se através de outros mecanismos para realizar o controle social.

    Um modelo são as páginas públicas das redes sociais onde são denunciados fatos que julgam estar em desacordo com o bom senso comunitário. Exemplos são denúncias de ruas esburacadas, falta de remédio nos postos de saúde, entre outros.

    Possuindo importância impar por ser um canal direto na execução do controle social a imprensa se destaca, pois ela tem a finalidade de informar a comunidade sobre situações de aplicabilidade e monitoramento dos recursos oriundos do orçamento público e atos da administração pública.

   Observa-se que sobre o controle social de iniciativa da sociedade, em especial a que ocorre nas cidades que compõem a fronteira oeste do Rio Grande do Sul, a fiscalização do orçamento público municipal é quase uma situação nula. Muito embora, existam as solicitações de informações que a Lei de Acesso à Informação faculta e os portais de transparência, que trazem uma gama de informações e relatórios sobre a movimentação orçamentária, mas que ainda são de difícil leitura e interpretação pelos cidadãos, tais fatos dificultam muito o exercício de fiscalização.

   Uma melhor transparência também envolveria a capacitação da comunidade local em entender os mecanismos de aplicação do orçamento público. Chegamos neste ponto, para contextualizar que as informações da área pública, por utilizarem palavras e conjecturas técnicas, tanto contábil como jurídica, inviabilizam a compreensão por cidadãos não pertencentes a este campo de trabalho. Isto posto, toda forma de incentivar a participação da comunidade nos atos relacionados ao orçamento deve ser celebrado, pois exaltam a transparência condicionada na Carta Magna em seu art. 37.

  A pergunta que surge: Como o cidadão executaria o controle social se ele próprio desconhece muitos termos técnicos utilizados dentro da área pública? A exemplo temos: o resultado resumido da execução orçamentária, limite prudencial da despesa com pessoal, relatório da gestão fiscal, dívida flutuante e fundada, restos a pagar, despesa empenhada versus despesa liquidada, etc. Ou seja, todos esses termos técnicos, além de outros, reportam parte da comunidade, ou seja, a grupos de cidadãos que farão o controle social, uma falta de conhecimento expressiva, tanto jurídico, técnico, contábil e orçamentário.

   Dessa forma, surge uma dificuldade para o cidadão, que vai executar uma fiscalização da gestão pública municipal, na qual está contida o orçamento do município, pois ele próprio desconhece a formação de cada conceito que precisa ser verificado.

    Por isso, precisamos criar uma política pública de educação sobre a área orçamentária. Essa educação deverá fornecer um conhecimento mínimo sobre legislação, orçamento público, direito administrativo, licitação, área contábil e de pessoal. Infere-se que com essa formação o cidadão poderá cumprir com seu papel de controle social. Em suma, a arma do cidadão é o conhecimento.

Márcio Luciano dos Santos Campos é contabilista, servidor Técnico-Administrativo da UNIPAMPA Itaqui e mestrando no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UNIPAMPA São Borja. Membro do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas/NEABI da UNIPAMPA Itaqui.

Eduardo Sanabria de Assunção é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da UNIPAMPA São Borja.

Referências Bibliográficas

SILVA, Rodrigo B; KISCHLAT, Everton; CORTES, Rebecca (a). Controle social. Brasília: Enap, 2015. Módulo I: Introdução e conceitos básicos.
SANTOS, Rita de Cássia. Plano plurianual e orçamento público. Brasília, UAB, 2010. Módulo Específico.
LUIZ, Wander. LRF Fácil: Guia Contábil da Lei de Responsabilidade Fiscal. 5. ed. Brasília: CFC, 2003.
AGUIAR, Afonso Gomes. Direito Financeiro: a Lei nº 4.320 – comentada ao alcance de todos. 3. ed., 2ª tiragem. Belo Horizonte: Fórum, 2004.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 10 jul. 2020.

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Fake News e Coronavírus: o pânico que não vem da imprensa

   Eduardo Silva, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo –, pelo campus da UNIPAMPA São Borja e pós-graduando em Desenvolvimento Regional e Territorial pela UNIPAMPA Itaqui

       Sete em cada dez brasileiros acreditam em Fake news sobre o coronavírus. É o que aponta uma pesquisa da Avaaz divulgada em maio. Segundo o estudo, 60% dos internautas receberam notícias falsas pelo WhatsApp. No Facebook, o número chegou a 50%.

       A pesquisa também foi realizada nos Estados Unidos e na Itália, mas ninguém nos venceu em matéria de Fake news sobre a covid-19. E não são os jornalistas que estão produzindo esse conteúdo. Os números são uma amostra do tamanho do desafio da imprensa no País.

     Informações falsas – que nem notícias são – corroem o debate público faz tempo. No entanto, a velocidade das redes sociais e da ignorância faz com que a disseminação de mentiras se propague quase tão rápido quanto o vírus.

       Do presidente da República ao “tiozão do Whats”, a imprensa é diariamente questionada e acusada de estar alarmando e gerando pânico na população em função da cobertura sobre a pandemia. E essa acusação também é uma Fake news.

   Já que o Ministério da Saúde não divulgou até o momento nenhuma campanha institucional de esclarecimento sobre o coronavírus, coube ao jornalismo brasileiro informar e orientar a população sobre a importância de procedimentos como o distanciamento social, a higiene das mãos e o uso de máscaras. A imprensa – baseada em fontes como a Organização Mundial da Saúde – divulga informações que estão reduzindo o estrago causado pela covid-19.

       Assim como profissionais da saúde e da segurança, repórteres estão na linha de frente do combate ao coronavírus. O alarme e o pânico estão vindo de outro lugar. Em um misto de preguiça e má-fé, notícias verdadeiras acabam virando fake news quando publicadas fora de contexto.

       Foi o caso da farsa dos caixões vazios de Manuas e São Paulo. A reportagem original era verdadeira. Porém, as fotos eram de 2015 e 2018, pré-pandemia. Lida só pela manchete, a matéria virou fake.

     Mas há, também, mentiras, ponto. Em Itaqui, um áudio circulou pelo WhatsApp afirmando que o hospital da cidade estava “entrando em surto”, com pacientes infectados andando pelos corredores.

       A direção da instituição precisou vir a público para rechaçar a acusação e comunicar que encaminharia a gravação ao Ministério Público e à Polícia. Embora não houvesse evidências que comprovassem o que foi dito no áudio, as informações falsas geraram alarme e pânico na cidade. O áudio não foi nem gravado e nem compartilhado pela imprensa.

       Não compartilhe informações duvidosas, leia a notícia até o final, confira a data, confie no jornalismo tradicional e tenha certeza: vamos vencer.

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O que aconteceu com o Brasil?

Jonas Anderson Simões das Neves é Professor Adjunto na UNIPAMPA, no Campus de Dom Pedrito. Possui graduação em História – Bacharelado pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (2004), Especialização em Sociologia pela Universidade Federal de Pelotas (2006), Mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009) e Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Possui também Pós-Doutorado em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2013). Atualmente, é coordenador do Curso de Educação do Campo – Licenciatura e líder do Grupo de Pesquisa e Extensão em Agricultura Familiar e Sustentabilidade Socioambiental.

O mundo enfrenta uma das maiores pandemias da história, já são mais de 5 milhões de pessoas infectadas pela Covid-19, que fez mais de 342 mil vítimas fatais. A América do Sul é o atual epicentro da doença, especialmente, pelo rápido aumento dos números no Brasil, que possui quase 350 mil casos e mais de 22 mil mortes. Nesses termos, os olhos do mundo se voltam para cá, com especial atenção ao (des)cumprimento das medidas sanitárias recomendadas pela OMS que poderiam conter a propagação do vírus. A questão é que mesmo diante da ascendência da curva de contágio e de mortes no país, o governo brasileiro minimiza o problema, ignora as orientações de autoridades de saúde e os resultados de pesquisas científicas, insistindo na defesa de protocolos infundados e que aumentam o risco à saúde da população.

Desta forma, não foi sem razão que o jornal norte-americano The Washington Post definiu o presidente brasileiro como o pior líder do mundo e que a revista científica britânica The Lancet, umas das principais publicações na área da saúde, classificou Jair Bolsonaro como maior ameaça a luta contra o Coronavírus no país, destacadamente porque tem defendido o isolamento social vertical, restrito ao grupo de risco, ao contrário do que orienta a OMS, de um isolamento horizontal, que inclui todos os grupos populacionais; bem como pela insistência na utilização da Cloroquina no tratamento da doença, num protocolo que foi mantido mesmo após a publicação de estudo científico acerca do uso da droga, pela própria revista The Lancet e que concluiu que além de não ser eficaz no tratamento da Covid-19, o uso do medicamento aumenta o risco de morte.

Ao final deste ano estaremos chegando ao final da segunda década do século XXI, mas ao contrário do que vivenciamos ao final da primeira, o Brasil deixou de ocupar o protagonismo que tinha no cenário internacional, sendo apontado como referência e potencial liderança mundial. Ao final de 2009, a revista britânica The Economist trazia em sua capa uma montagem da imagem do cristo redentor decolando, seguida da seguinte mensagem: “Brazil Takes Off”, em tradução livre, “O Brasil Decola”. Se é verdade que a manchete revelava algum exagero, não era sem razão que recebia aquele destaque, ao longo dos primeiros dez anos deste século o Brasil destacava-se por seu crescimento econômico, revertido em redução da pobreza e diminuição das desigualdades sociais; pela resposta bem sucedida dada à crise econômica mundial de 2008 e por sua liderança entre os BRICS, grupo dos principais países com economias em desenvolvimento.

Neste período, o crescimento econômico brasileiro teve como principal base de sustentação a exploração dos recursos naturais, fundamentalmente a exportação de commodities agrícolas e minerais, revertidas em políticas sociais e em investimentos públicos, principalmente, nas áreas de infraestrutura, pesquisa e educação. A sustentabilidade desse modelo, baseado na ampliação da pressão sobre a natureza, precisa ser questionada; no entanto, é preciso reconhecer que naquele momento houve significativa melhoria da qualidade de vida dos estratos mais pobres da população; ampliou-se o acesso educacional; obras estruturantes foram levadas adiante, mesmo que nem todas concluídas; o capital privado contou com linhas de financiamento altamente favoráveis e o setor público, incluindo as estatais, recebeu significativos investimentos. 

Dentre os resultados desses investimentos no setor público, chamou atenção do mundo a descoberta de uma reserva oceânica de petróleo na costa brasileira, que apenas a Petrobras possuía tecnologia para explorar. Logo após a descoberta do pré-sal, ficou estabelecido que a estatal brasileira seria a única operadora e partícipe obrigatória dos leilões de petróleo, com parte de seus royalties sendo destinados obrigatoriamente para a educação e a saúde. No entanto, grupos econômicos internacionais se articularam para desestabilizar o sistema político e econômico do país e garantir a maior fatia daquelas riquezas, conforme revelou a Organização Transnacional sem fins lucrativos Wikileaks.

Em meio a esse processo, em 2012, se vivenciaria o agravamento da crise econômica mundial de 2008, mas a conjuntura era outra e a resposta também foi; ao invés do investimento em medidas contracíclicas e de fomento à economia, a opção foi por reduzir os investimentos públicos, iniciativa que se mostrou ineficaz e ampliou a crise. Neste cenário, no ano seguinte alguns grupos saem às ruas para protestar contra o aumento das tarifas do transporte coletivo, passando a contar, em seguida, com a simpatia e adesão de outros segmentos insatisfeitos com o governo, mas bastante difusos ideologicamente. Mesmo diante deste cenário de instabilidade e com acusações de corrupção reveladas pela operação lava-jato, Dilma Roussef é reeleita presidente do Brasil, mas não governa e cai, vitimada por um golpe dois anos depois.

Entra em cena então mais um ator decisivo para a derrocada da imagem e das expectativas do mundo em relação ao Brasil, a operação lava-jato. Neste sentido, o problema nunca esteve em seus objetivos e acertos, desvelando um complexo sistema de corrupção articulado internacionalmente e que teve no Brasil um de seus centros de atuação, conforme revelado pelo Panama Papers, mas sim na forma pela qual foi conduzida, com métodos questionáveis de obtenção de provas, acusações nem sempre transparentes e muitos vazamentos e divulgações de informações que interferiram diretamente em processos eleitorais. Conforme indicam informações reveladas pelo Wikileaks, essa operação parece ter nascido como desdobramento do Bridge Project, acordo que previa a troca de experiências entre Brasil e Estados Unidos acerca do combate à corrupção.

O fato é que a recessão econômica associada à fragilidade do governo, diante de manifestações populares contrárias que se multiplicavam com ampla repercussão e respaldo da mídia; aos desdobramentos da operação lava-jato e a própria dificuldade de articulação política do governo não tardaram a resultar num processo de impeachment da presidente. Uma das primeiras ações do novo presidente foi quebrar a prioridade da Petrobras nos leilões de bacias do pré-sal, a partir de projeto do então deputado José Serra, que segundo a Wikeleaks teria trocado telegramas com petroleiras quando candidato a presidência, bem como encaminhar Medida Provisória com isenções à indústria de petróleo até 2040, com valores estimados em mais de 1 trilhão de reais. O governo Temer também ficou marcado por escândalos de corrupção, incluindo um processo de impeachment que não foi levado adiante em troca de cargos no governo e pela grande liberação de recursos para emendas parlamentares; pela aprovação da contrarreforma trabalhista, que destroçou direitos dos trabalhadores; pela tentativa de flexibilizar o trabalho escravo e pelo afrouxamento das legislações ambientais e que facilitaram a exploração estrangeira sobre os recursos naturais brasileiros.

O projeto de quebrar a nascente soberania brasileira do século XXI, quando parecia que finalmente o país estava atingindo sua maioridade enquanto nação independente e colocá-lo de novo sob o big stick norte-americano ganhou força após o golpe, mas atingiu proporções maiores com a eleição de Jair Bolsonaro, que teve sua estratégia de campanha desenhada pelo ex-assessor de Donal Trump, Steve Bannon, retomando-se um alinhamento entre os países semelhante ao período da ditadura militar. O atual governo sempre fez questão de ressaltar sua afeição aos Estados Unidos, mesmo que a recíproca não seja verdadeira, num processo definido pela revista americana Jacobin como “pathetic submissiveness”, em tradução livre, submissão patética.

 Não obstante, o governo tem comprometido ainda mais a imagem e a credibilidade do país com atitudes que beiram ao absurdo, tais como o despreparo demonstrado no discurso de abertura do Fórum Econômico Mundial de Davos; a tentativa do presidente de indicar seu filho, sem qualquer formação, para a embaixada dos Estados Unidos; a negação das queimadas na Amazônia, chegando ao ponto de exonerar o pesquisador responsável pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) por divulgar os dados e acusar, sem qualquer prova, o ator Leonardo Di Caprio pelas queimadas; a tentativa de culpar a Venezuela, também sem provas, pelo vazamento de óleo em praias brasileiras; as supostas tentativas de intervenção em órgãos do judiciário; as já referidas atitudes diante da pandemia de Covid-19; entre outras tantas.

Mas, afinal, o que aconteceu com o Brasil? Ao final da década passada o governo brasileiro figurava entre as principais lideranças do mundo, o país era referência por suas políticas sociais e protagonismo econômico; atualmente, mesmo antes dos efeitos da pandemia, a economia brasileira se arrastava; as taxas de desemprego permaneciam altas; a instabilidade política desencorajava investidores; a fome e a pobreza extrema voltavam; doenças quase extintas circulavam novamente por falta de vacinação; a educação minguava diante dos cortes de recursos, enfim, os retrocessos reverberavam por todas as áreas. Mas, ao contrário do que muitos podem pensar, o que houve não foi a falência de um projeto de soberania nacional que começou a ser gestado no início deste século, mas sim o sucesso de um outro projeto, que se beneficia da pobreza, do caos e da morte, mas esse é um assunto para outra conversa.

Revisado por Cristina dos Santos Lovato

Um Olhar sobre a Saúde Mental em Tempos de Pandemia Sérgio Arthur de Castro Junior

Enfermeiro da Rede Municipal de Saúde de Uruguaiana, Integrante do Programa de Saúde Mental, Especialista em Saúde Coletiva pela UNIPAMPA.

O ano de 2020 nos apresenta um desafio enquanto sociedade, o qual dificilmente seria imaginado fora de filmes, séries ficcionais ou documentários históricos: uma pandemia.

A pandemia de COVID-19 sem sombra de dúvidas será um paradigma de nossa geração sob os mais diversos aspectos sanitários, sociais, culturais, nossa relação com nós mesmos e com o próximo; após este momento histórico mudanças significativas devem ocorrer.

O isolamento social que nos é imposto como medida mais eficiente e com mais respaldo acadêmico até o momento no enfrentamento do COVID-19, pode tanto ser um período de redescobertas e ressignificados nas relações sociais, como um período de angústias e ansiedade acentuados.

Não é difícil em nossos dias o acesso em tempo integral à notícias do mundo todo, trazendo dados catastróficos relacionadas à infestação do Coronavírus pelo mundo. Países como Itália, Espanha, EUA e, mais próximo de nós, o Equador, nos mostram quadros desoladores do quão a pandemia pode ser implacável e, isso naturalmente gera medos, receios, angústias e ansiedades diante disso.

A velocidade com a qual a pandemia progride e assume protagonismo nos noticiários e em nosso cotidiano nos fazem sentir como uma das pinturas de O Grito de Edvard Munch 1 , ainda mais tendo de tomar medidas tão restritivas para nos proteger, medidas às quais não estamos acostumados. E este contexto pode ter consequências na saúde mental.

A ansiedade passa a ser a maior preocupação de saúde mental diante do isolamento social. As restrições de atividades antes corriqueiras como atividades laborais, práticas de atividades físicas e convívios em espaços públicos agora restringidos, as atividades de home office, individualmente ou em conjunto podem ser gatilhos para ansiedade. As inseguranças econômicas, afetando diretamente na manutenção de emprego e renda dos brasileiros da mesma forma, sendo de suma importância estarmos atentos à isso. As demandas aos serviços de saúde com quadros de sofrimento psíquico podem agravar. Portanto, é importante estar atento à isto.

Reconhecer os sintomas como irritabilidade, sensação de angústia ou tensão constantes, sentir seu coração acelerado e uma sensação de perda de controle à ponto de atrapalhar suas atividades rotineiras, distinguirão uma ansiedade natural do ser humano e inevitável em tempos tão inóspitos, de um quadro de ansiedade migrando para a psicopatologia.

É importante nesses casos exacerbados procurar o serviço de saúde para acolhimento e diagnóstico dos profissionais, permitindo os encaminhamentos cabíveis a cada situação; existem serviços na atenção básica e especializados em saúde mental para dar conta destes quadros, sendo muito importante que os mesmos não sejam subestimados em sua importância, pois não recorrer a profissionais habilitados pode levar ao agravamento destas situações de ansiedade; é comum incorrer em quadros de pânico ou quadros depressivos mais graves.

E, o mais importante: além de todos os cuidados que a pandemia nos demanda, dar atenção à sua saúde mental, respeitar-se, caso sinta-se bombardeado com notícias sobre covid-19, procurar outras alternativas de distração possíveis para além da televisão e mídias sociais; recomenda-se que não se tenha vergonha de conversar sobre suas ansiedades, medos ou receios em relação ao cenário atual, se auto-preservando e compreendendo que a situação é passageira e que ultrapassaremos a pandemia mais fortes e conscientes do mundo em que vivemos e para onde podemos levar depois disso.