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Uma breve conversa sobre assédio moral

A Wikipedia conceitua assédio moral como a “exposição de alguém a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas. Geralmente, tal expressão se refere a atos ocorridos durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções”.

O conceito já nos direciona para o ambiente onde acontecem os casos de assédio moral: o lugar de trabalho. Em se tratando de questões envolvendo a relação de emprego a competência para julgar os casos de assédio moral é da Justiça do Trabalho. Então, é importante complementar o conceito anterior com a definição do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS, SC, PR). Analisando algumas decisões concluímos que o TRT4 define assédio moral “como uma violência de natureza psicológica sofrida pelo empregado, implicando lesão de um interesse extrapatrimonial (sem equivalência econômica), porém juridicamente protegido, ou seja, dano moral”.

A exposição do trabalhador a essas situações, geralmente, acontece por parte de seu superior hierárquico, que o ridiculariza e hostiliza, provocando constrangimento, insegurança, estresse etc. Esse é o tipo de assédio, é o mais comum, sendo definido como descendente. Ele acontece de forma vertical, ou seja, de cima (chefia) para baixo (subordinados). O principal objetivo é desestabilizar o trabalhador, de forma que este produza mais e mais, sempre com a impressão de que não está atingindo os objetivos da empresa, que, na maioria das vezes, já foram ultrapassados.

Embora o mais comum, o assédio descendente é apenas uma das modalidades identificada. Existem mais duas situações, que apesar de raras, devem ser debatidas. São casos em que o trabalhador é perseguido por outros trabalhadores que não exercem cargos de chefia.

No tipo ascendente de assédio, a perseguição acontece também de forma vertical, mas de baixo (subordinados) para cima (chefia). A hipótese é mais difícil acontecer, pois o sucesso depende da união de um grupo de trabalhadores que se reúnem contra a chefia. A principal causa identificada para a prática é a ambição de algum subordinado, que almeja ser o líder.

Sentindo-se incapaz de atingir o lugar desejado pelas suas próprias qualidades ele resolve reunir um grupo de pessoas de fácil influência, já que o sucesso do alcance do objetivo traçado é mais provável se a ação for conjunta. O terceiro tipo de assédio é o paritário. Ao contrário dos anteriores ele ocorre de forma horizontal, entre funcionários, quando um grupo isola e assedia dos colegas. O principal objetivo é eliminar concorrentes, principalmente quando este indivíduo vem se destacando com frequência perante os superiores.

Assédio moral, portanto, é a perseguição no ambiente de trabalho caracterizada pela repetição de atos que podem gerar danos ao agredido. A psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen traz mais um elemento ao conceito ao afirmar que assédio é qualquer conduta abusiva, configurada através de gestos, palavras, comportamentos inadequados e atitudes que FOGEM DO QUE É COMUMENTE ACEITO PELA SOCIEDADE. Mas o que é aceito pela sociedade? A resposta não é estática, dependendo da análise do contexto no qual estamos inseridos.

Deixar o funcionário no “cantinho do pensamento” para refletir sobre seu comportamento é assédio? E impedir o uso do banheiro durante o horário de trabalho? E determinar a participação em reuniões chamadas de motivacionais onde o funcionário é obrigado a dançar e cantar? Esses três casos chegaram ao Poder Judiciário que decidiu que a postura da chefia preencheu os requisitos restando caracterizado assédio moral contra o empregado.

A conduta abusiva reiterada do assediador contra o assediado atenta contra sua personalidade, dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa. Por vezes o abalo moral sofrido é tão intenso que as consequências ultrapassam o ambiente de trabalho, atingindo a vida pessoal e familiar da vítima. Casos extremos podem, inclusive, repercutir no próprio trabalho, hipótese que gera um pedido de demissão fazendo com que a vítima também sofra danos materiais, além dos danos morais.

Definimos o que é assédio moral, quais suas modalidades e consequências. Mas é quem é o responsável pelo pagamento em caso de indenização? Essa é uma dúvida frequente no debate sobre esse tema. Muitos, equivocadamente, acreditam que é o agressor o responsável em pagar eventual indenização. É a empresa quem responde à prática de assédio moral, já que essa é responsável por todos os atos dos funcionários, devendo velar pelo bom ambiente de trabalho.

A empresa deve adotar medidas para fazer cessar o assédio, quando tomar conhecimento de sua existência, podendo, inclusive, demitir o agressor por justa causa. Entretanto, considerando que o assédio mais comum é aquele praticado pelo chefe, ou até mesmo o dono, contra o empregado é difícil que alguma solução seja encontrada dentro da empresa. A quem a vítima irá reclamar se seu algoz é seu chefe? A ameaça de demissão, inclusive, está sempre presente nos casos de assédio moral, por vezes de forma expressa e por vezes velada.

Então, a opção, talvez a única viável, é a interposição de ação judicial requerendo indenização pela perseguição sofrida. A vítima pode pedir rescisão indireta do contrato de trabalho, hipótese em que recebe todas as verbas trabalhistas e condenação ao pagamento de indenização por danos morais e materiais. Se o assédio ainda for acompanhado de calúnia, difamação, injúria, lesão corporal ou ameaça, o agressor pode poderá responder criminalmente.

Contudo, o sucesso da ação judicial depende dos meios probatórios e, infelizmente, na maioria dos casos o assédio a vítima não consegue uma prova cabal do assédio e sai do processo ainda mais abalada e agora, também frustrada por ter acreditado que iria ver todo seu sofrimento recompensado de alguma forma. Considerando os baixos índices de êxito nos processos judiciais e o número elevado de casos de assédio moral, lembrando que muitos sequer chegam ao judiciário, acreditamos que uma das formas de prevenção e de luta contra essa conduta opressora e humilhante é falar mais sobre o tema. Pulverizar a informações para que a sociedade tenha conhecimento do que se trata assédio moral e, conhecendo o inimigo, possa unir forças e lutar contra a perseguição no ambiente de trabalho.

Mariane Contursi Piffero
OAB/RS 80.297B

13 de maio 1888 e um texto curto: a Lei Áurea

A abolição da escravidão no Brasil foi promulgada no dia 13 de maio de 1888, mediante a assinatura da Lei Imperial nº 3.353, a conhecida Lei Áurea. A Lei é “curta e grossa”. Contém apenas dois artigos, nos quais se lê o seguinte:

“Art. 1°: É declarada extincta desde a data desta lei a escravidão no Brazil.”
“Art. 2°: Revogam-se as disposições em contrário.” (BRASIL, 1888.)”

A escravidão foi um sistema de produção econômica brutal e extremamente violento que escravizava a população negra de origem africana. Durante sua vigência, da Colônia ao Império (quase 4 séculos), foram os negros e as negras que trabalharam e sustentaram a população branca; afinal, essa população era que detinha o poder econômico, político e bélico. Trabalho, no Brasil, era coisa de preto! Isso porque o trabalho, sobretudo manual, era considerado uma atividade inferior.

A Lei Áurea, como se sabe, foi assinada pela Dona Isabel, a Princesa Imperial Regente do Brasil, porque seu pai, o Imperador D. Pedro II, viajava pela Europa. Conta-se que Isabel assinou a Lei com uma “pena de ouro”, e que, por isso, foi chamada de Áurea.

Se a gente faz uma busca rápida no Google, encontramos em sites oficiais que essa Lei terminou com um longo processo de negociações para a abolição do sistema escravagista. Esse processo teria início com a Lei Eusébio de Queiroz – a Lei nº 854, de 4 de setembro de 1850, que proibia o tráfico intercontinental de africanos escravizados e estabelecia medidas para sua repressão.

Em 28 de setembro de 1871, durante a Primeira Regência da Princesa Imperial, Dona Isabel assinou a Lei nº 2.040, denominada: Lei do Ventre Livre. A Lei libertou os filhos e as filhas de escravizadas que nasceram após sua publicação, prevendo a indenização dos Senhores. (Para saber mais, clique aqui).

Em 28 de setembro de 1885, o Imperador promulga a Lei 3.270, conhecida como Lei dos Sexagenários ou Lei Saraiva-Cotegipe. Ela concede a liberdade aos escravizados com mais de 60 anos de idade mediante indenização. (Para saber mais, clique aqui e aqui).

Diferente do texto dessas outras leis, a Lei Áurea tem um texto bem curto. Nela, liberta-se e ponto! Não há no texto previsão de indenização aos escravizados pelos 400 anos de cativeiro, pela violência física, moral, psicológica que sofreram, pelos assassinatos e mortes constantes com que conviviam, nem pela pátria que um dia perderam.

O custo da abolição veio logo. No dia 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República e a Família Real foi expulsa do Brasil (saiba clicando aqui). Participou desse processo, parte da elite local que ficou insatisfeita com o fato de que a Lei Áurea era um texto curto que não previa indenização aos senhores.

Se Lilia Schwarcz tem razão em insistir em suas obras que a maestria da família Bragança consistia no caráter ambíguo de sua diplomacia, agradando e enganando franceses e ingleses, talvez possamos pensar que a astúcia do gesto imperial está nisto: na canetada áurea que não indenizou uns, os Senhores, nem outros, os escravizados. Cada qual ficou “livre” e a cargo de sua própria sorte.

Então, mais do que comemorar a assinatura da Lei, o dia 13 de maio deveria nos fazer pensar tanto no racismo estruturado no Brasil, quanto sobre nosso momento atual: de forte dualidade e de lutas constante de uns contra os outros polo poder econômico, político e, declaradamente, pelo poder bélico.