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O Brado do Ipiranga, de Cecília de Salles e Cláudia de Mattos (1999)

por Walker Douglas Pincerati

Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.

[…]

Hino Nacional; letra de Joaquim Osório Duque Estrada.

O Brado do Ipiranga, publicado em 1999 pela EdUSP, Imprensa Oficial e Museu Paulista (da USP), e organizado por Cecilia Helena de Salles e Claudia Valladão de Mattos, é uma edição fac-similar desta obra publicada em 1888 por Pedro Américo de Figueiredo e Mello. Traz artigos, discursos, esboços e cartas que possibilitam, como diz José Sebastião Witter, “o estudo da formação da memória da Independência e da compreensão dos significados históricos e estéticos daquela que se tornou a representação emblemática do episódio de 7 de setembro de 1822”: a tela Independência ou Morte!, pintada pelo próprio Pedro Américo (ver abaixo).

Basta que façamos uma rápida busca na Google.com com as expressões “7 de setembro + o grito do Ipiranga” que essa pintura aparece associada a vários textos. Famosa e constante em muitos livros didáticos, fixou-se como imagem do “instante” – referido no nosso hino (um dos 4 símbolos da República Federativa do Brasil, conforme estabelece o art. 13, § 1º, da Constituição do Brasil) – em que o “sol da liberdade brilhou no céu” da “Pátria amada, Brasil!”. Nesse instante, “as margens do Ipiranga ouviram o brando retumbante”, o apregoado grito de D. Pedro I, que, após ler decretos de D. João VI e a exigência deste que voltasse à Europa, desembainhara sua espada e bradara: “Independência ou Morte!”.

N’O Brado se desvenda o véu que recobre a tela e ilude nossos olhos. Isso porque, segundo o próprio Pedro Américo, “a realidade inspira, e não escraviza o pintor”. Enquanto pintor histórico (e acadêmico), sua função, diz ele no livro, é a de reproduzi “as faces essenciais do fato, sem esquecer totalmente as difíceis e severas lições da ciência do belo.” As cartas que o livro traz revelam uma rica discussão do processo de composição Convite a Leituras artística e das escolhas do pintor. Neste caso, mostram haver entre verdade histórica e função estética a construção de uma lenda: a de que o brado é de um povo heroico!

DEDE

Lenda, sim! Afinal, de um lado, nos faz crer que o grito bastou; e, de outro lado, nos faz esquecer a ausência de luta pela independência: na espada desembainhada não escorre o sangue das batalhas. Pelo contrário, o reconhecimento da independência por Portugal não se deu numa guerra senão política, porque ocorreu com a assinatura do Tratado de Paz e Amizade, datado de 29 de agosto de 1825; documento esse que foi costurado com intensa participação da Inglaterra e que rendeu uma boa indenização a Portugal (confira toda essa história clicando aqui, e para sabê-la com muito mais detalhes, clique aqui). Não há conquista, mas tão somente encenação: como se vê, num campo calmo um rompante majestoso.

Essa encenação, tal qual pintada por Pedro Américo e descrita por ele na quarta parte d’O Fato, o primeiro capítulo do livro, foi protagonizada por Tarcísio Meira, em 1972. Clique na imagem ao lado para ver o trecho do filme.

Seja como for, toda essa rica história pode nos dizer muito sobre a nossa história e, sobretudo, pode nos fazer refletir bastante sobre o que significa – em termos de ‘liberdade’, ‘independência’ e ‘soberania’ – o 7 de setembro.

Reprodução fotográfica da obra Independência ou Morte! (1888)

Fonte: Frazão (2018). Acesso em 10/10/2018

Walker Douglas Pincerati é professor no curso de Letras EaD da UNIPAMPA Jaguarão (2016-atual). Currículo Lattes: clique aqui. Contato: clique aqui. Página web: clique aqui.

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