O CiênciAção: Observatório Interdisciplinar de Divulgação Científica e Cultural apresenta sua 7ª edição. A seção Observatório divulga o curso de Especialização em Ciências Exatas e Tecnologia do Curso de Matemática da UNIPAMPA e, também, as ações do Programa de extensão TRAMAS, coordenado por Amanda Meincke Melo (UNIPAMPA Alegrete). Esse programa tem como objetivo geral promover o respeito à multiplicidade das diferenças. A propósito, a seção Reportagem traz o texto É certo “falar errado”? que trata da diversidade linguística brasileira e nos apresenta os mitos que causam tanto preconceito com respeito às variações existentes. O texto foi escrito por Cristina dos Santos Lovato (UNIPAMPA Itaqui) e Mariane Larissa de Lima Borges (acadêmica de Letras EaD da UNIPAMPA/UAB, polo Itaqui/RS).
A seção Convite a Leituras traz o convite de Walker Douglas Pincerati (UNIPAMPA Jaguarão)à leitura d’O Brado do Ipiranga, de Cecília de Salles e Cláudia de Mattos, livro que faz – digamos – um elogio à célebre representação do dia 07 de setembro: a tela Independência ou Morte! (1988) pintada por Pedro Américo. A seção Artes e Culturas traz Um olhar sobre a Gastronomia Gaúcha: do Passado Missioneiro ao Presente, em comemoração ao 20 de setembro, escrito por Vilson Flores dos Santos (MOVER/UFSC) e Paulo Roberto C. da Silveira (UNIPAMPA Itaqui). Em Blog e Colunistanossa colaboradora externa, Mariane Contursi Piffero, escreve sobre A voz como instrumento de efetivação dos direitos das mulheres. Também, nessa seção, Eduardo L. Hettwer Giehl, biólogo e pesquisador do Laboratório de Ecologia e Diversidade da UFSC, fala e nos constringe a muito pensar sobre 2020: O ano do fogo no alagado e outras desgraças. Tema atualíssimo porque trata das queimadas na Amazônia e no Pantanal.
O Professor Nota 10 da vez é Nelson Mario Victoria Bariani, eleito pelos e pelas discentes. Ele conta sobre sua trajetória inspiradora, de seus medos e vitórias. Em Meu Trabalho Nota 10, há a contribuição de Gabriel Vicente de Oliveira, acadêmico do curso de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia, que aborda as “revoluções tecnológicas” na economia global emA Nova Globalização na Nova Economia: Qual o Futuro do Dinheiro?, cujo título já diz a que veio.
Há poucos meses li uma reportagem de dezembro de 2019. No título, um astrólogo prometeu que 2020 seria um ano leve. Chegou 2020 e me parece impossível ele ter errado tão rude e tão feio. Ou 2020 está sendo pesado, ou estamos em uma escalada ao pico do monte Everest? Pandemia, fogo para tudo quanto que é lado, ciclone-bomba e até nuvens gigantes de gafanhotos rondando nossos queridos pampas e plantações. Várias coisas que não acontecem toda hora, acontecem agora ao mesmo tempo. Embora o ano dê muito assunto, vou escrever aqui um pouco sobre a “enxurrada de incêndios” e depois vou tratar um pouco sobre de onde vem o balanço que estamos sentido nas bases durante esses dias estranhos que vivemos.
Fogo é tudo igual?
As notícias recentes sobre muitos novos focos de incêndio na Amazônia e no Pantanal são de arrepiar. É muito intrigante ver os dois lugares queimando. A Floresta Amazônica é sempre mostrada com seus rios gigantes e uma floresta úmida, onde chove muito. O Pantanal então, de acordo com o próprio nome, é um grande pântano ou alagado. Claro que nos dois casos a abundância de água tende a ser um pouco menor no inverno, mas ficarem tão secos a ponto de pegar fogo e virarem incêndios incontroláveis é outra história.
O fogo da Amazônia é diferente do fogo do Pantanal, e ambos são diferentes do fogo em outros sistemas – isso pode ser que seja o caso também dos campos de altitude aqui do sul do Brasil, em meu laboratório estamos começando a estudar isso –. No Cerrado, algumas espécies de grama se adaptaram ao fogo. Isso se deu a tal ponto que, durante o inverno, quando é seco, essas gramas são como pólvora: pegam fogo com facilidade e queimam as plantas que ficam acima do solo. Os incêndios acontecem há milhares ou milhões de anos, e, por isso, muitas árvores desenvolveram cascas bem grossas que as protegem do fogo. E o que acontece embaixo do solo é também bem diferente: lá ficam protegidas partes das plantas que não queimam e que garantem um rápido rebrote. No Cerrado, até mesmo os animais também podem estar mais “preparados”, prontos para correr e buscar abrigos quando o fogo chega, e em grande parte parece um “fogo de palha“: queima rápido, mas logo apaga.
Por essas adaptações em plantas e em animais, o Cerrado e alguns outros lugares do mundo são sistemas que queimam com maior facilidade e se recuperam rápido. No entanto, quando o fogo não é parte do sistema, como o que está acontecendo na Amazônia e no Pantanal, o resultado é muito diferente. Quando o fogo não é o natural, é como uma peça que cai dentro de um motor: não se encaixa e atravanca o funcionamento o que causa uma quebra ou colapso do motor inteiro. Quando o fogo chega do jeito que está chegando à Amazônia ou ao Pantanal, onde quase não existem árvores com cascas grossas, plantas com partes protegidas abaixo do solo e prontas para rebrotar, ou animais
que sabem como e para onde fugir, o estrago é incalculável. E por lá, não é só fogo de palha. Quando florestas queimam, a lenha das grandes árvores tende a queimar por muito tempo, e o fogo fica muito mais quente. Por lá é comum que o fogo queime até dentro do solo. Isso mata sementes e animais do solo, que depois não estarão lá para que a floresta volte a crescer.
Logo, por três motivos fogo não é tudo igual. Primeiro, porque o que queima não é igual; segundo, porque o jeito que queima não é igual; e terceiro, porque a rapidez com que cada lugar se recupera não é igual. Por isso, o fogo na Amazônia e no Pantanal precisam ser controlados. O fogo é tão estranho quanto problemático por lá. E levará muito tempo para que os locais queimados se recuperarem.
O que eu, aqui no Sul do Brasil, tenho a ver com isso?
Certamente não foi nenhum de nós que acendeu o fósforo que pôs fogo na Austrália lá pelo início do ano. Dou quase 100% de certeza de que posso dizer o mesmo sobre os incêndios aqui no Brasil. Mas uma questão tem ficado cada vez mais clara: não riscar o fósforo não nos tira toda a culpa, assim como não estar vendo as labaredas pela janela não nos livra de consequências.
Nosso planeta é bem grande para morarmos, porém ainda é uma casa só. Todo mundo sabe bem o que acontece com uma fumaça que começa na cozinha, logo se espalha pela casa toda. Transportando essa ideia para o mundo que vivemos e por meio do que foi descoberto pelos cientistas, a Amazônia é fonte de boa parte das chuvas que caem aqui no sul do Brasil. Isso acontece porque existem milhões de árvores por lá, coletando água nos solos muito úmidos em boa parte do ano.
A água é transportada por dentro das árvores até suas folhas, de onde a maior parte é perdida para o ar, virando um monte de vapor d’água, que, depois, viram nuvens. É tão grande a quantidade de nuvens que se formam por lá que vão sendo empurradas por ventos em nossa direção. Sobra água para abastecer tudo ao longo do caminho, até chegar ao sudeste e sul do Brasil. É tanta água e tão estabelecidos esses caminhos que começaram a ser chamados de “rios voadores”. Quando cortamos ou queimamos as florestas da Amazônia para trocar árvores por lavouras ou pastagens, muito menos água é levada para o ar. Sem as árvores, a Amazônia não produz mais nuvens, os “rios voadores” secam; e logo as plantas de lavouras e hortas aqui no sul e sudeste ficarão murchas. É desse jeito que o prejuízo poderá chegar até nós, a alguns mil quilômetros de distância.
Mas podemos ser acusados de estar ajudando a segurar o fósforo? Nosso mundo está mudando de forma muito rápida, e a forma como aceitamos as mudanças sem fazer nada a respeito é, sim, uma forma de dividir a responsabilidade. Nos últimos anos, especialmente desde 1950, vivemos uma grande aceleração. Tudo está mais rápido de um ano para o outro. Mais pessoas, mais carros, mais lavouras, mais animais em criações, mais indústrias, mais cidades etc. Do outro lado, temos cada vez menos florestas, menos cerrado, menos pantanal, menos animais e menos plantas — fora animais e plantas que nos interessam –. Como resultado, vivemos num mundo muito diferente do mundo de antes de 1950. E junto com essas mudanças, um tanto fáceis de perceber, vem outras bem mais sorrateiras.
Por mais que seguido se escute alguém ou nós mesmos dizendo que cada ano está mais quente, nada é feito a respeito – parece que que nossa memória não é muito boa, não é? Por isso, é bem difícil ter certeza se de fato em 2010 ou 2000 era mais fresco. Ficamos na dúvida e podemos nos convencer de que está tudo bem e que nem mudou tanto assim. Mas os dados de temperatura que foram registrados ao longo desses anos apagam essas dúvidas. Cada ano está mais quente, em média. Isso não impede um dia, uma semana, ou até mês bem frio por ano e até mesmo neve de vez em quando. Tudo isso quer dizer que temos menos dias, menos semanas ou menos meses frios, menos geadas por ano e menos chance de ver neve a cada ano que passa. Ao nos deixarmos enganar pela memória falha e mensagens enganosas de que está tudo bem, estamos oferecendo outro fósforo para acender mais um foguinho.
Para piorar tudo, não está ficando só mais quente. Eu nasci num país que não tinha tornados, num país onde não era tão seco a ponto de um grande alagado pegar fogo, num país que não era tão seco a ponto das cataratas do Iguaçu não rugirem, onde nunca se tinha ouvido falar em ciclone-bomba ou nuvens de gafanhotos sobre os pampas. Esse país era o Brasil. E esse era o mundo logo ali atrás, das décadas de 1980, 1990, 2000. Ao que tudo indica, todo esse caos vem junto com os anos cada vez mais quentes. Esse caos todo é chamado de eventos climáticos extremos: secas mais longas, enxurradas mais fortes, tornados e ciclones-bomba são exemplos. Ouviremos falar cada vez mais disso e das tragédias que virão junto. Em especial porque as previsões de cientistas do mundo todo acertam tanto quanto seus alertas são ignorados: muito e demais.
O que podemos fazer?
A pergunta que resta sobre 2020 é então: foi tudo para contrariar nosso astrólogo desavisado, ou estamos mesmo no caminho errado? Não acho que o universo preste atenção e puna um astrólogo cujas previsões descabidas apareceram num jornal. Ainda mais que estamos pagando a conta juntos. Acredito é que estamos num caminho que não é dos melhores. Enquanto um jornal escreve todos os dias sobre horóscopos, será que escreve o suficiente sobre o mundo a nossa volta e sobre que está acontecendo com ele? Sim, recebemos também enxurradas de informações sobre o fogo na Amazônia e no Pantanal. E na Austrália? E na Califórnia? E na Sibéria? Sim, o mundo está queimando, já sabemos. Mas as ligações nisso tudo não são mostradas de forma clara. Ações para combater, ou melhor ainda, prevenir os problemas que enfrentamos em 2020 são mínimas ou sem sentido. Esforços em frear o desmatamento, diminuir o uso de petróleo ou frear o crescimento da população humana quase não existem. Parece que se resume tudo a se o PIB aumenta, seremos felizes? Sabe-se que o dinheiro circula até mais na tragédia, na desgraça e na guerra. Se aumentar o PIB é nossa única meta, estamos no caminho certo, e a desgraça virá encilhada. Se preferirmos um caminho menos doloroso, precisamos ouvir mais os cientistas e exigir que nossos governos façam o mesmo. E já que 2020 já não pode mais ser “leve”, que seja o ano do recomeço, e que das cinzas dele renasça algum caminho novo.
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas
De um povo heróico o brado retumbante,
E o sol da liberdade, em raios fúlgidos,
Brilhou no céu da pátria nesse instante.
[…]
Hino Nacional; letra de Joaquim Osório Duque Estrada.
OBrado do Ipiranga, publicado em 1999 pela EdUSP, Imprensa Oficial e Museu Paulista (da USP), e organizado por Cecilia Helena de Salles e Claudia Valladão de Mattos, é uma edição fac-similar desta obra publicada em 1888 por Pedro Américo de Figueiredo e Mello. Traz artigos, discursos, esboços e cartas que possibilitam, como diz José Sebastião Witter, “o estudo da formação da memória da Independência e da compreensão dos significados históricos e estéticos daquela que se tornou a representação emblemática do episódio de 7 de setembro de 1822”: a tela Independência ou Morte!, pintada pelo próprio Pedro Américo (ver abaixo).
Basta que façamos uma rápida busca na Google.com com as expressões “7 de setembro + o grito do Ipiranga” que essa pintura aparece associada a vários textos. Famosa e constante em muitos livros didáticos, fixou-se como imagem do “instante” – referido no nosso hino (um dos 4 símbolos da República Federativa do Brasil, conforme estabelece o art. 13, § 1º, da Constituição do Brasil) – em que o “sol da liberdade brilhou no céu” da “Pátria amada, Brasil!”. Nesse instante, “as margens do Ipiranga ouviram o brando retumbante”, o apregoado grito de D. Pedro I, que, após ler decretos de D. João VI e a exigência deste que voltasse à Europa, desembainhara sua espada e bradara: “Independência ou Morte!”.
N’OBrado se desvenda o véu que recobre a tela e ilude nossos olhos. Isso porque, segundo o próprio Pedro Américo, “a realidade inspira, e não escraviza o pintor”. Enquanto pintor histórico (e acadêmico), sua função, diz ele no livro, é a de reproduzi “as faces essenciais do fato, sem esquecer totalmente as difíceis e severas lições da ciência do belo.” As cartas que o livro traz revelam uma rica discussão do processo de composição Convite a Leituras artística e das escolhas do pintor. Neste caso, mostram haver entre verdade histórica e função estética a construção de uma lenda: a de que o brado é de um povo heroico!
Lenda, sim! Afinal, de um lado, nos faz crer que o grito bastou; e, de outro lado, nos faz esquecer a ausência de luta pela independência: na espada desembainhada não escorre o sangue das batalhas. Pelo contrário, o reconhecimento da independência por Portugal não se deu numa guerra senão política, porque ocorreu com a assinatura do Tratado de Paz e Amizade, datado de 29 de agosto de 1825; documento esse que foi costurado com intensa participação da Inglaterra e que rendeu uma boa indenização a Portugal (confira toda essa história clicando aqui, e para sabê-la com muito mais detalhes, clique aqui). Não há conquista, mas tão somente encenação: como se vê, num campo calmo um rompante majestoso.
Essa encenação, tal qual pintada por Pedro Américo e descrita por ele na quarta parte d’O Fato, o primeiro capítulo do livro, foi protagonizada por Tarcísio Meira, em 1972. Clique na imagem ao lado para ver o trecho do filme.
Seja como for, toda essa rica história pode nos dizer muito sobre a nossa história e, sobretudo, pode nos fazer refletir bastante sobre o que significa – em termos de ‘liberdade’, ‘independência’ e ‘soberania’ – o 7 de setembro.
Reprodução fotográfica da obra Independência ou Morte! (1888)
por Vilson Flores dos Santos e Paulo Roberto C. da Silveira
Este texto é baseado na tese de autoria de Vilson Flores dos Santos apresentada ao Programa de Pós Graduação em Extensão Rural do Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Maria com o título “O surgimento da agropecuária missioneira no Rio Grande do Sul e as derivações gastronômicas”. para a obtenção do grau de Doutor em Extensão Rural, em dezembro de 2010.
Atualmente, existe uma crescente mobilidade de pessoas e produtos entre diferentes regiões em escala mundial, caracterizando um período de globalização econômica e social. A pandemia da COVID-19 intensifica essa sensação de integração, visualizando-se uma relativa uniformização planetária, a qual atinge hábitos e práticas que envolvem também a Gastronomia. Em reação a esse processo de uniformização, percebe-se a crescente valorização das culturas regionais, impactando nos estilos de consumo.
Logo, na gastronomia, observa-se uma tendência de disseminação de um estilo alimentar: o Fast Food caracterizado como uma alimentação rápida e marcada por ingredientes comuns a diferentes recantos do mundo. Por outro lado, verifica-se o resgate de uma culinária enraizada no saber tradicional e transmitida de geração a geração. Se o Fast Food padroniza gostos e práticas alimentares – alimentação fora de domicílio, utilização de pré-prontos e produtos ultra processados–, as gastronomias locais reforçam uma herança culturalmente difundida em determinada região.
Aqui, destacamos um saber gastronômico aquele que se ancora na história das Missões Jesuíticas do Sul do Brasil. Essa gastronomia que exprime sentimentos vividos e valores, formando uma das mais significativas e importantes manifestações do ponto de vista econômico e também cultural e fortemente enraizadas no universo do cotidiano dos atores sociais do lugar.
No caso do Rio Grande do Sul, costuma-se falar de uma culinária gaúcha; mas existem diferentes entendimentos do que se enquadra nesse conceito. Observa-se que a culinária gaúcha uma variante da miscigenação étnica: a gastronomia representa as distintas manifestações culturais existentes no hoje estado do Rio Grande do Sul. Há, nas autoridades governamentais do estado (Secretaria Agricultura, Pecuária e Agronegócio), uma forte corrente no sentido de não mais considerar somente os costumes alimentares do homem campeiro platino tais como: churrasco, carreteiro, o arroz de china pobre, pucheiro, quibebe, mandioca e batata-doce como os únicos representantes da culinária gaúcha. Aponta-se pela pertinência de uma política que incentive o setor quando possam ser resgatados e recriados pratos típicos de distintas regiões e patrimônios étnico-culturais, inclusive dos imigrantes europeus – que chegaram em um período posterior no território gaúcho – sejam alemães e italianos sejam poloneses e outros. Esse resgate plural, além de potencializar o turismo, valoriza a cultura, a agropecuária e a geração de novas fontes de renda e trabalho. Nesse sentido, defende-se como necessário a valorização da culinária trazidas por todas as etnias que compuseram a história do Rio Grande do Sul.
Entretanto, vale lembrar que estes pratos acima citados, embora possam não ser os únicos representantes de uma culinária gaúcha, devem ser considerados os propulsores dela, pois estão enraizados no processo alimentar diário da população Gaúcha. E, deve-se considerar que se originam em um período histórico em que ocorreu a ocupação do território gaúcho, quando foi adotada por os segmentos étnicos que aqui chegaram.
O processo de estabelecimento de Missões Jesuítico-Guarani, por exemplo, gerou um conjunto de conhecimentos oriundos da interação entre o saber dos europeus e dos nativos, os quais com o tempo foram se consolidando também em uma rica culinária, incorporando a contribuição dos descendentes de africanos e portugueses. Essas formas de preparo dos alimentos se desenvolvem como hábitos alimentares, em coerência com a característica específica do agroecossistema, a qual possibilita a disponibilidade de produtos de origem animal e vegetal para uso alimentar e como uma “medicina” popular.
Esses hábitos alimentares se transformaram em uma Gastro-nomia (em Grego nomos= lei e gastro= alimentação), compreendida como um ramo de conhecimento que abrange a culinária, as bebidas, os materiais usados na alimentação e, em geral, todos os aspectos culturais a ela associados. Desse modo, estabelecem-se normas de alimentação, envolvendo as técnicas de elaboração de pratos típicos da culinária gaúcha, os espaços sociais de convivência e eventos em que são servidos, partindo de ingredientes produzidos pela agricultura e pecuária nativa.
As manifestações gastronômicas típicas de uma culinária de origem missioneira estão fortemente relacionadas à agropecuária regional e têm alimentado no território denominado Missões, e na maioria do estado do Rio Grande do Sul, uma chama viva cultural e relações de afetividade, envolvendo danças e vestimentas, práticas sociais. Essas manifestações estão presentes em exposições, feiras, eventos do Movimento Tradicionalista Gaúcho, rodeios, festivais de música e gastronômicos, e outros eventos, sempre evidenciando esses costumes e hábitos adquiridos no passado nesta região das missões.
Deve-se salientar que através do tempo histórico-social estas manifestações estão se ressignificando, ou seja, sofrem transformações quanto aos hábitos de consumo e formas culinárias, porém permanece seu significado enraizado no patrimônio cultural. Esta tradição Gastronômica não se perde com o tempo, observando-se hoje um forte culto a estes hábitos nos jovens, ocasionando assim a sua continuidade. Deve-se lembrar um dos hábitos contemporâneos mais presentes no seio da população Gaúcha: o saborear do Chimarrão ou Mate remonta aos indígenas Guarani que viram na Erva-Mate – planta nativa na região das Missões – propriedades digestivas, sendo comum tomarem um chá com as folhas desta planta. Este hábito foi se transformando com a inclusão da Cuia – feita de porongo planta também conhecida dos nativos – e da Bomba –antes de Bambu e depois de metal –. O “tomar chimarrão” esteve associado aos hábitos dos tropeiros e carreteiros que podiam cruzar o estado e, inclusive, ultrapassar suas fronteiras, levando os equipamentos, a erva e a prática de sorve o “Mate” como auxílio digestivo diante do consumo elevado de carne.
Assim, como o Chimarrão, o churrasco como forma de consumir a carne e o arroz carreteiro – originalmente com charque e hoje também com carne picada – e o arroz de china pobre – com linguiça – também estiveram a uma necessidade de tropeiros e carreteiros em produzir um alimento rápido e na beira da estrada sem recursos técnicos característicos nas cozinhas das residências.
Como o passar do tempo, diante da urbanização da sociedade se verificou a manutenção desses hábitos em contextos onde são vistos como mediadores de sociabilidade. E atravessaram os anos e disseminaram-se para além das fronteiras gaúchas com as migrações de populações para outras regiões do Brasil. Tornando-se, inclusive, presentes em todas regiões brasileiras.
No Rio Grande do Sul é comum, atualmente, ver esses hábitos alimentares nas famílias gaúchas, sendo comum receber uma visita com churrasco, ou ainda aos finais de semana servir entre os familiares churrasco ou fazer um carreteiro de charque em encontros com amigos.
Desta forma, ao longo do tempo, foram sendo construídos e passado de geração em geração os hábitos e costumes desde as missões – raiz mais profunda desses costumes –, passando pelas estâncias e mais tarde, as fazendas e granjas; se transformando no culto de um passado de brutalidade para um presente cavalheiresco, no qual as figuras do regionalismo são cultuadas pelos seus feitos como integrantes de uma cultura que encerra práticas sociais que se perpetuam através do tempo.
Vilson Flores dos Santos é Doutor em Extensão Rural e pesquisador associado do Núcleo MOVER/UFSC; Paulo Roberto C. da Silveira é Doutor pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas e professor da UNIPAMPA, Campus Itaqui.
por Cristina dos Santos Lovato e Mariane Larrissa Debus
É notório que há modos de falar diferentes e sotaques distintos. Todavia, esses diferentes modos de falar não estão errados porque não há um único modo de utilizar a língua. Inclusive você já deve ter percebido que não escrevemos como falamos, que dependendo da situação adotamos um registro linguístico mais formal e que o modo de falar sulista é diferente do nortista. A Sociolinguística veio para mostrar que a língua é um organismo vivo, e que ela, a língua, vai variar conforme o espaço, o tempo, a história e o falante.
Segundo o linguista, filólogo e tradutor Marcos Bagno (2007b, p. 59), “a variação linguística é um tema muito interessante em si mesma”, é um fenômeno da linguagem capaz de explicar muitas coisas sobre a língua e os processos de mudança linguística”.
Se empreendermos uma grande viagem pelo Brasil, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, recolhendo os modos de falar das pessoas de todas as regiões, de todos os estados, das principais cidades, da zona rural etc., vamos perceber que existem diferenças nesses modos falar (…). Há muita semelhança, também, mas são as diferenças que chamam mais a atenção e que permitem classificar esses variados modos de falar. Quando você consegue identificar os traços característicos de um determinado modo de falar a língua, você pode chamá-lo de variedade (grifo do autor). Se você, em vez de sair viajando pelo país, decidir estudar os modos de falar das pessoas de um mesmo lugar – uma grande cidade, por exemplo –, vai notar também que a variedade falada nesse lugar apresenta diferenças que correspondem às diferenças que existem entre pessoas: grau de escolaridade, situação socioeconômica, faixa etária, origem geográfica, etnia, sexo etc. (BAGNO, 2001, p. 41).
Esses fatores descritos acima representam quem o falante é, e, conforme destaca o linguista Louis Jean-Calvet, no livro Sociolinguística: uma introdução crítica “(…) as línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a história de seus falantes” (p. 12). Linguagem e sociedade estão conectadas: a diversidade linguística é um fenômeno constitutivo da linguagem, e essa diversidade de modos de se expressar em uma língua é chamada de variação linguística. De acordo com o linguista Marcos Bagno, no livro O Preconceito Linguístico, essa diversidade linguística é estigmatizada.
O autor elenca oito mitos em relação à noção de língua:
Mito 01: “A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade surpreendente”. Segundo o autor (2007a, p.15), no Brasil, a língua apresenta um elevado grau de diversidade e de variabilidade, as quais já estão sendo aceitas pelas instituições.
Mito 02: “Brasileiro não sabe português, só em Portugal se fala bem português”. O autor (2007a, p.20) explica que isso é um grande equívoco, falamos português, temos nossa língua própria e uma pronúncia única. Não há, de acordo com o autor, nem uma “raça pura” tão pouco haveria uma “língua pura” com um único e específico modo de falar.
Mito 03: “Português é muito difícil”. Bagno (2007a, p.35) esclarece que o Português é uma língua como qualquer outra, pois uma criança não tem sequer a ideia do que sejam as normas gramaticais; no entanto, aprende a falar. Todo o nativo de um determinado lugar ou país vai aprender a língua do seu povo ou país.
Mito 04: “As pessoas sem instrução falam tudo errado.” Conforme Bagno (2007a, p.40), isso é um mito porque não existe uma única língua portuguesa, então falar de outro modo não deve ser considerado errado, feio ou equivocado, temos como exemplo as palavras “Cráudia”, “chicrete”, “praça”, “pranta” etc. Logo, o autor indica que não há apenas o português padrão. Essas palavras sofrem alterações em função dos fatores extralinguísticos indicados anteriormente. O papel da educação é orientar os estudantes em relação a situações em que esses diferentes registros linguísticos são permitidos ou não.
Mito 05: “O lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão” Bagno (2007a, p.46) aponta que isso é um grande equívoco, pois esse aspecto é atribuído ao registro linguístico falado no Maranhão em função apenas do fato de que os maranhenses usam constantemente o pronome “tu” com a correta concordância verbal.
Mito 06: “O certo é falar assim porque se escreve assim”. Para Bagno (2007a, p.52), isso não é somente um preconceito como também um erro, visto que dependendo do lugar e da cultura, as pessoas se expressam pela fala de diferentes formas, por exemplo, o carioca fala de uma maneira; o paulista e o gaúcho, por exemplo, falam de outra.
Mito 07: “É preciso saber gramática para falar e escrever bem”. Segundo Bagno (2007a, p.62), isso é um mito, pois, se fosse assim, todos os gramáticos seriam grandes escritores, porém não são. Grandes escritores como Rubem Braga e Carlos Drummond de Andrade dizem estar longe das normas gramaticais.
Mito 08: “O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social”. Para Bagno (2007a, p.69), isso é um mito, porquanto não é só a elite que sabe, via de regra, a norma culta. O autor exemplifica apontando que um grande fazendeiro – supostamente iletrado – não passou pelo processo formal de educação e poderá, mesmo assim, ter posses e recursos financeiros. Por outro lado, um professor de português, às vezes, nem sequer o salário recebe. Bagno ainda ressalta que não adianta saber a norma culta e não ter uma moradia digna. O autor salienta que o poder no Brasil está concentrado em indivíduos que não dominam a norma culta da gramática, todavia, são homens heterossexuais oriundos de oligarquias. E conclui o Mito 08 apontando que: “falar em língua é falar em política”.
Por fim, observa-se que é necessário desconstruir a visão errônea de que existe apenas uma língua ou somente a norma padrão ou a norma culta. Há diversos “portugueses brasileiros” e é, por isso, necessário conscientizar as pessoas sobre as diferenças na língua de modo que elas possam monitorar a fala de acordo com a situação. Ou seja, a pergunta não é: “é certo ou errado falar assim?” mas sim: “essa variedade é adequada a essa situação ou não?”.
Cristina dos Santos Lovato é Doutora em Letras, Estudos Linguísticos, e docente na UNIPAMPA, campus Itaqui. Email: cristinalovato@unipampa.edu.br. Mariane Larrissa Debus é acadêmica do curso de Letras EaD da UNIPAMPA, oferta UAB, polo Itaqui/RS. E-mail: marianedebus.aluno@unipampa.edu.br.
Referências Bibliográficas
BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro?: um convite à pesquisa. São Paulo: Parábola editorial, 2001.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico. 49ª ed., São Paulo Editora Loyola, 2007a.
BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola editorial, 2007b.
CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola Editoria, 2002.
Olá, colegas! Meu nome é Luciéle Pacheco Rodrigues, sou estudante do curso de Nutrição da Universidade Federal do Pampa, campus Itaqui. Sou integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas, o NEABI, da UNIPAMPA Itaqui, desde 2017.
O coordenador do NEABI atualmente é o Prof. Dr. Paulo Roberto Cardoso da Silveira. O núcleo tem como um de seus objetivos problematizar temas que abordam as minorias ao buscar compreender as diferenças culturais existentes em nossa sociedade e combater o preconceito e a discriminação.
Enquanto integrante do NEABI sempre achei necessária a inserção e a maior participação da comunidade Itaquiense em projetos dentro da universidade, e como estudante sentia falta de atividades culturais dentro do campus. A partir dessa problemática, trouxemos propostas de atividades culturais e parcerias com instituições da cidade. Entendo que a partir dessas vivências que aprendemos a respeitar e entender o diferente.
Em atividades culinárias e de dança entre outras, conhecemos mais sobre a nossa cultura afro e nossa ancestralidade. Isso traz representatividade e acolhida para dentro do campus.
Convido tod@s colegas de campus para conhecer o NEABI e trazer suas problemáticas, pois é com o diálogo que vamos agregando conhecimento sem nunca deixar de lutar contra qualquer tipo de preconceito e discriminação.
Se analisarmos nosso dia-a-dia, podemos notar algo interessante: que estamos em estado de constantes mudanças, desde hábitos alimentares novos à escolha de um novo visual ou até mesmo a maneira de pensar. Porém, se conversarmos com nossos avós, mães e pais, ou algum parente que nasceu antes deste milênio, começamos a ter a noção de como as coisas mudaram rápido e que o mundo é um verdadeiro palco de mudanças; algumas foram tão grandes e significativas que hoje as conhecemos como “revoluções”. Elas marcaram o último século de forma acentuada e possibilitaram um novo conceito de vida. Desde a primeira revolução industrial, no século XVIII, o mundo passou por uma série de alterações sociais, políticas, econômicas e tecnológicas. Esta última gerou um mundo globalizado.
A globalização ampliou a difusão do conhecimento, a diversificação cultural entre os povos e a possibilidade de comunicação ativa entre os países e entre as pessoas. Ao mesmo tempo, gerou mudanças consideráveis em alguns paradigmas sociais. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017), autor de Vida para Consumo, conta que a sociedade moderna pensou em si mesma como uma atividade da cultura ou civilização e agiu sobre esse pensamento. Para ele, essa “ação civilizatória” tem como característica fundamental desmontar a realidade herdada; ou seja, pôr ordem no que lhe causa mal-estar, o caos. Nesse contexto, a modernidade busca a beleza e a harmonia, ao passo que na pós-modernidade é a liberdade individual que conta. De fato, é notável que hoje vivemos numa “sociedade do consumo”, como afirmou Bauman, e nesta “nova civilização” as ideias consumistas não fornecem alternativas para se ficar fora dela. Isso pode se relacionar com o que diz Manuel Castells, sociólogo espanhol nascido no ano de 1942. Em Sociedade em Rede propõe o conceito de “capitalismo informacional”, com o qual afirma que a revolução tecnológica deu origem ao informacionalismo, que é a base para uma nova sociedade onde a tecnologia da informação é considerada a ferramenta essencial na manutenção e construção do conhecimento pelos indivíduos, pois a criação e a reprodução da informação se tornam a principal fonte de produtividade e de poder. Isso condiz com o que o grande filósofo brasileiro Mário Sergio Cortella (1954- ) diz em Viver em paz, para morrer em paz: “Hoje, a modernidade transformou o ruído numa forma de expressão, a tal ponto que nossa expressão de vida tem de ser ruidosa. Para serem notadas, para ganharem existência, as pessoas vivem em função de apelos que Guimarães Rosa chamou de “viver em voz alta”.”
Diante disso tudo fica evidente que o mundo passou e passa por constantes transformações. Mas, qual será a próxima transformação? E que consequências ela traria para a sociedade? A resposta pode ser dada a partir da majestosa obra O futuro do dinheiro, de Rudá Pellini, empreendedor brasileiro em grandes bolsas de valores, obra que traz na capa esta provocação: E se uma revolução financeira acontecesse agora: Você estaria preparado? A dada altura, Rudá conta que Roberto Setubal, presidente do Itaú/Unibanco, afirmou em uma reunião com analistas e investidores que estamos vivendo um mundo em grande transformação e que, por isso, não temos um rumo certo nem sabemos onde tudo isto vai parar, o que tem lhe tirando o sono. Isso porque as fintechs, Tecnologias Financeiras, estão acompanhando o mercado acirradamente. Também para o líder bancário Roberto Campos Neto, se dá uma suposta transformação inevitável e ressalta a necessidade do sistema financeiro se adaptar a tais “novas mudanças”.
Analisando atualmente o mercado financeiro, podemos perceber notáveis evoluções. A primeira é que, depois de séculos, boa parte dos bancos estão em processo de adaptação às novas tendências, pois a tecnologia permitiu a criação de novas formas de guardar e investir dinheiro. O exemplo mais claro é a criação da startup brasileira Nubank, que possibilita a seu usuário ter um banco inteiramente digital que atende boa parte de suas necessidades pelo celular, desde a abertura da conta até uma solicitação de crédito ou transferência. É claro que ainda não é possível ter todas funções de um banco convencional, como um limite de crédito alto, mas é apenas uma questão de tempo para isso acontecer.
Todos os dias bolsas do mundo inteiro movimentam valores mobiliários e seus acionistas acompanham as novas tendências do mercado na “sociedade da informação”. Os grandes bancos buscam sempre se adaptar a tais tendências para não perder o devido espaço no mercado, muitos deles acabam comprando ideias e projetos para sair na linha de frente neste novo cenário. Portanto, a revolução financeira está com uma perspectiva previamente positiva. Por essa razão, se o indivíduo se adaptar às novas tecnologias, ele terá a possibilidade de conseguir uma liberdade e segurança financeira, pois as possíveis tendências a serem adotadas no mercado financeiro possibilitarão escolhas que reforçam a autoridade e a autonomia do próprio dinheiro.
Para exemplificar tais fatos, vamos voltar ao ano de 2008. O dia 15 de setembro, nos Estados Unidos, popularmente conhecido de “segunda-feira negra”, foi o marco da crise mobiliária que alastrou o país e automaticamente gerou um gigantesco impacto no mundo, sendo sua causa uma grande bolha de crédito criada pelos bancos americanos.
Em 1998, os bancos norte-americanos começaram a oferecer crédito para milhares de seus cidadãos. Para adquirir o recurso, não era necessário comprovar renda nem bens materiais. Até mesmo desempregados tinham acesso ao crédito, que ficou conhecido como “subprime” ou “segunda linha”. Após algumas manipulações no mercado e alguns anos passados, os devedores não pagaram suas dívidas e, logicamente, isso gerou um caos financeiro. No final desse ano, o governo fez impressão de moeda e livrou os grandes bancos da falência, e poucas pessoas foram responsabilizadas. Quem pagou a conta foi a população.
No meio da crise, criou-se o que pode ser o possível futuro do dinheiro: as criptomoedas. Em meados de outubro de 2008, Satoshi Nakamoto publicava o whitepaperBitcoin: Um Sistema de Dinheiro Eletrônico Ponto-a-Ponto em uma rede de discussão sobre criptomoedas. Na publicação, constava o funcionamento da moeda e todas suas principais características, a saber:
“o desenvolvimento de um sistema eletrônico de transação que dispensa o intermediário;
as assinaturas digitais que permitemforte controle sobre propriedade e previne o gasto duplo;
uma rede P2P que usa prova de trabalho para criar um registro públicoe impossível
para fraudadores modificarem, desde que os nós honestos controlem o sistema;
os nós trabalham com pouca coordenação e não precisam ser identificados, pois as mensagens jamais são enviadas para uma única localização;
os nós podem deixar e voltar à rede a qualquer hora porque a Blockchain é atualizada sempre que retornam à rede;
as regras e incentivos podem ser aplicados usando um sistema de votação.” (BITCOINTRADE, 2019.)
A Bitcoin tem várias características associadas aos conceitos anteriormente vistos. Feita em um momento de crise, carrega o diferencial de ser o grande medo dos bancos, e também de algumas pessoas, porque é uma moeda que não necessita dessas instituições para intermediar transações financeiras. A agencia bancária ou o clube de investimentos não são mais necessários. Antes nos questionarmos sobre a segurança dessa moeda, apresento (ver imagem ao lado) uma das boas invenções da evolução tecnológica: a Criptografia.
Em Por uma nova Globalização, Milton Santos de Almeida (1926-2001) apresenta a ideia de uma nova consciência universal. Afirma que a informação sustenta a atual ideologia mundial e, também, que ela carrega em si a “capacidade de ser algo diferente”. Se relacionarmos isso à proposta dos novos bancos digitais, fintechs e criptomoedas, e aos comentários dos líderes bancários citados anteriormente, conseguimos enxergar uma possível perspectiva que se baseia na capacidade evolutiva do mercado financeiro, podendo ter uma possibilidade de uma mudança positiva na economia mundial, no quesito de liberdade e autonomia financeira. Pois, com o acesso ao conhecimento tecnológico e financeiro, o indivíduo poderá optar em qual ou quais plataformas irá atuar. Claro que para que toda essa revolução esteja aplicada de forma positiva, é necessário difundir e popularizar esse conhecimento e a tecnologia, só assim seria válida a utilização da expressão “Nova Globalização”. Afinal, como o próprio Milton Santos afirmava, “a cultura popular e a crescente capacidade de se comunicar impulsionada pelas novas tecnologias da informação dariam resultados […]”, se atingirem não só aqueles que utilizam o mercado financeiro como também englobarem aqueles não têm acesso a tais conhecimentos e tecnologias; parcela essa da população que é obrigada a aceitar serviços financeiros com taxas abusivas.
No que tange ao curso da tendência da qual trato aqui, vale a pena refletirmos a partir da análise de seu aspecto nacional. O Relatório de Cidadania Financeira publicado em 2018 pelo Bacen, o Banco Central do Brasil, apresenta o número dos pontos de atendimento por instituição financeira:
Na IMAGEM 1 vemos que há 257.570 pontos de atendimento de instituições financeiras diversas, com expressiva vantagem ao segmento bancário, os bancos comuns. A IMAGEM 2 apresenta a quantidade de transações em canais de acesso. Contudo, a IMAGEM 2 mostra o crescimento significativo dos pontos de acesso remoto, ao passo que o número de canais de atendimento físico tem se reduzido com o tempo. “As transações realizadas em canais presenciais – agências e postos tradicionais, caixas de autoatendimento e correspondentes bancários – diminuíram em 5% de 2015 a 2016 e voltaram a crescer 7% de 2016 a 2017. Já as transações por meio de canais não presenciais (home e office banking, call centers, smartphones e PDAs) registraram expansão significativa – de 20%, de 2015 a 2016, e de 21%, de 2016 a 2017 – e representam 66% do total das transações realizadas (remotas e presenciais). Nesse avanço, o destaque fica com as transações via smartphone, que vêm crescendo de maneira acentuada e, em 2017, já ultrapassaram aquelas feitas por meio do computador (internet, home e office banking).” (BACEN, 2020.) A propósito, a IMAGEM 3 apresenta o alcance em 2016 da posse de celular e do uso de internet no Brasil por região.
“Esse cenário é corroborado pelos resultados da edição 2017 da pesquisa mundial Global Findex Database. A sondagem é considerada uma das mais importantes com relação à inclusão financeira e usa como metodologia uma pesquisa por amostragem com a população acima de 15 anos. De acordo com dados do Global Findex, o percentual de pessoas que utilizaram a internet, no Brasil, tanto para pagar contas quanto para fazer compras subiu de 8,7% em 2014 para 17,6% em 2017. Para a mesma amostra da pesquisa, o percentual de pessoas que usaram o celular para pagar contas de serviços, como água e energia elétrica, aumentou de 0,8% para 3,9% no mesmo período. A análise desses dados confirma o rápido crescimento no acesso a canais remotos para serviços financeiros, porém os percentuais de uso ainda são baixos” (BACEN, 2020).
Com as informações acima, fica notável alguns aspectos da revolução financeira e que a mesma é acompanhada pela revolução tecnológica. Apesar do baixo percentual, é possível que boa parte da população se adeque a tais práticas tecnológicas e automaticamente se insira no SFN, o Sistema Financeiro Nacional, e, consequentemente, nessas práticas. “A implementação de soluções digitais poderia atender ao segmento da população que considera alto o custo de manutenção de uma conta bancária, uma vez que essas soluções tendem a ter custos mais baixo” (BACEN, 2020). Tendo isso em vista, no momento passamos a fase de conhecimento e adequação à nova plataforma. Portanto, para que ocorra uma revolução financeira saudável é extremamente necessária a aplicação de medidas educativas financeiras e tecnológicas para que a população em um contexto geral possa desfrutar de um ambiente melhor.
O futuro do dinheiro em si é algo muito incerto. Note-se, porém, que algumas possiblidades podem favorecer de forma positiva a população, considerando-se que a “Nova Economia” tem a principal característica a adaptabilidade ao perfil do usuário num curto espaço de tempo. Os bancos convencionais e os digitais, as cooperativas, as fintechs, dentre outros e outras, sempre vão buscar acompanhar as mudanças para não perder espaço de mercado. Por mais que exista o monopólio bancário, futuramente, com a educação financeira e tecnológica, as pessoas encontrarão um cenário muito mais favorável.
Gabriel Vicente de Oliveira é discente do Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Pampa. Já atuou como pesquisador e líder de projetos na área tecnológica do Sesi e Senac, e por dois anos permaneceu ativo na carreira bancária no ramo de cooperativas de crédito. Atualmente, atua no setor administrativo em uma empresa do ramo plástico no Rio grande do Sul, além de ocupar o cargo de tesoureiro no Diretório Acadêmico Geraldo Crossetti.
Referências bibliográficas e Bibliografia:
PELLINI, Rudá. O futuro do dinheiro: banco digital, fintechs, criptomoedas e blockchain: entenda de uma vez por todos esses conceitos e saiba como a tecnologia dará liberdade e segurança para você gerar riqueza. São Paulo: Gente, 2019.
CORTELLA, Mario Sergio. Viver em paz para morrer em paz: se você não existisse, que falta faria?. São Paulo: Planeta, 2017.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 2008.
KRETZER, Maria Clara. Resenha: “Por uma outra globalização”, de MILTON SANTOS. Florianópolis: UFSC, 2020.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. 15ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Record, 2008.
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Relatório de cidadania financeira. Brasília: BACEN, 2018.
Agradecido pelo carinhoso convite para escrever nesta coluna. Começo refletindo que, tendo tido a sorte de ser filho de professores, fui direcionado a ter gosto pelo estudo e por essa profissão desde cedo. Meu pai, engenheiro agrônomo, partiu logo em ato de serviço, mas deixou um legado de ações na busca por uma sociedade melhor.
Somadas às circunstâncias da vida e à convicção materna, antes de conseguir sequer pensar no assunto iniciei como professor de inglês num instituto particular aos 17 anos, no mesmo ano em que comecei a graduação em Química. A vocação docente me encontrou e nunca mais me deixou. Fiquei encantado com o tanto que aprendi estando na função de professor, que ainda era um meio de sustento pessoal, e decidi, aos 20 anos, fundar um cursinho de física, química, matemática e inglês na garagem da minha vizinha. Deu certo e foi a minha principal fonte de sustento até os 27 anos, quando passei meus alunos particulares para um colega recém formado em Engenharia Químico, mas ainda sem emprego. Foi aí, nas aulas particulares, onde aconteceu, num mágico dia, a percepção de que aqueles conhecimentos, previamente isolados em compartimentos diferentes da minha cabeça, se conectavam entre si!
Meu amor pelas ciências ficou estabelecido para sempre. E, por causa disso, tentei com sucesso iniciar minha atuação como docente universitário, que no Uruguai pode ser iniciada ainda na etapa de acadêmico, geralmente a partir do 3o ano. Foi assim que há 34 anos iniciei como docente da Cátedra de Física da Faculdade de Química da UDELAR. Novamente apavorado, da mesma forma que no meu início como professor de inglês, percebendo o tanto que não sabia; mesmo assim fui em frente, encantado com o desafio e o fluxo dos conhecimentos chegando. Ali mesmo, com a sorte a meu favor, consegui também formar parte da primeira geração de mestrandos uruguaios (magister em química), criados por meio de um programa internacional de desenvolvimento da ciência básica. Durante esse mestrado, trabalhei em Cristalografia com RX, o que ampliou meus horizontes, me levando a conhecer cientistas da Argentina e do Brasil.
Empolgado com a Física e a ciência em geral, pulei, anos mais tarde, para o Instituto de Física da Faculdade de Engenharia de Montevidéu, onde conheci um ambiente mais próximo ao que é um departamento científico em países mais desenvolvidos. Continuou aí minha paixão pelo estudo dos sistemas instrumentais de medição, que tive oportunidade de conhecer e trabalhar em aulas de laboratório e, também, na pesquisa.
Pressionado pelo ambiente acadêmico para fazer um doutorado, que ainda não existia no Uruguai, e apoiado pela sorte, consegui fazer uma viagem a dois congressos internacionais de Física, em Cancún, e ainda fiquei 15 dias em um centro de investigação científica no México. Nessa viagem, eu decidiria onde fazer o doutorado, pois o momento internacional era favorável a bolsas e apoios para pós-graduações. Significativamente, quer com colegas de quarto de hotel, no setor de pôsteres ou onde apresentei meu trabalho, os apresentadores que mais me chamaram a atenção eram todos do Instituto de Física da UNICAMP, em Campinas, São Paulo. O resto que eu vi, dos Estados Unidos, Canadá, México e outros lugares do mundo, não me cativou da mesma forma. Lá estava sinalizado meu próximo destino que, coincidentemente, não era a primeira vez que aparecia na minha vida.
Na UNICAMP tive a oportunidade de conhecer e entender o ambiente e o nível da ciência contemporânea, num momento histórico fantástico de maturidade do Instituto de Física, ainda no meio de anos dourados de grandes investimentos e reconhecida produção. No entanto, já no final do terceiro ano de doutorado, tinha percebido que meu conceito romântico de ciência não correspondia com a realidade… Será que a ciência era realmente a solução a todos os problemas, como eu acreditava até então?
Minha busca se ampliou. Veio uma filha para cuidar. Veio um pós-doutorado, agora no Departamento de Saneamento e Ambiente da UNICAMP. Também dediquei mais tempo ao estudo de problemáticas humanas e sociais. Tudo isso me levou, cada vez mais, a uma visão mais integrada, mais interdisciplinar, mais holística da realidade. Gradativamente percebi que os desvios nas interpretações e no uso da ciência eram devidos à imaturidade do ser humano e que o método científico é sim uma bela ferramenta para ser usada para conhecer a verdade, dependendo, para isso, do amadurecimento interior das pessoas. Aprendi que deveria cuidar muito com as minhas decisões para não cair em “tendências científicas”, direcionadas por interesses econômicos muitas vezes contrários ao bem comum.
Nessas alturas, interiormente mais próximo da sociedade brasileira do que a uruguaia, a vida tinha me reservado algumas surpresas. O que seria um retorno obrigatório ao Uruguai (após 8 anos no Brasil), acabou se transformando, por motivos circunstanciais de falta de recursos na universidade uruguaia, numa liberação. Logo em seguida, surgiu a primeira experiência docente no Brasil, quando passei no concurso da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, a UERGS, em Santana do Livramento, em 2004. Ótima experiência, na qual encontrei o apoio das tecnologias da informação e comunicação no ensino, que me continuam acompanhando até hoje. Também conheci a esposa com a qual formaria uma linda família posteriormente.
Finalmente, em 2006, se concretiza a grande possibilidade de desenvolver um trabalho como docente e cientista a longo prazo, tentando aproveitar a formação e as experiências coletadas em outras instituições: entrei como professor na Universidade Federal do Pampa. Desde então, otimamente acolhido na UNIPAMPA Itaqui, onde tenho os melhores colegas e alunos possíveis, e grande apoio institucional, organizei minha atuação em torno de um amplo projeto materializado no Laboratório Interdisciplinar Integrado, LABii (ver imagem ao lado), que reúne boa parte das técnicas científicas de maior relevância que conheci, com potencial para contribuir ao desenvolvimento da nossa sociedade local. Técnicas de medição de variáveis ambientais, agrícolas, industriais ou sociais podem ser desenvolvidas no LABii. Estudos, relatórios, artigos ou pareceres sobre regiões ou processos em andamento podem ser produzidos com base em dados de sensores satelitais. Em suma, o Laboratório realiza estudos relacionados a saneamento básico, agricultura, produção de alimentos, saúde, pesquisas sobre temas de interesse social no âmbito acadêmico fornecido pela UNIPAMPA.
O LABii, o grupo de pesquisa UNIGAIA (Grupo de Ações Interdisciplinares Aplicadas da Unipampa) e três projetos “guarda-chuva” de ensino, pesquisa e extensão, elencados abaixo, formam a estrutura acadêmica base do trabalho em andamento, no qual pessoas interessadas podem ir se agregando gradativamente. Despeço-me, então, agradecendo novamente, e com a esperança de que esta história continue dentro do bem e da paz, contribuindo para um avanço positivo de cada um dos envolvidos e da nossa sociedade em geral.
Projetos em andamento, que amparam as temáticas desenvolvidas:
TIC-TIC: Ações Curriculares do Laboratório Interdisciplinar e Grupo Unigaia Apoiadas em Tecnologias da Comunicação;
Pesquisa no Laboratório Interdisciplinar Integrado e grupo UNIGAIA;
LABii – Laboratório Interdisciplinar Integrado: Proposta de Prestação de Serviços Integrada Curricularmente;
Disciplinas relacionadas:
Tópicos de laboratório interdisciplinar I e II, em versões para os cursos de Agronomia, Agrimensura, Interdisciplinar em C&T e para a Especialização em Ciências Exatas;
Sensoriamento Remoto Aplicado ao Monitoramento Agrícola e Ambiental (Agronomia e BICT);
Física (Agronomia);
Hidrologia (Agronomia);
Elementos de Cartografia e Geoprocessamento (Agronomia e Aquicultura).
O reconhecimento do direito das mulheres ocorreu em etapas, são as chamadas “ondas”. A primeira onda foi na época da Revolução francesa, a segunda durante os movimentos sociais do século XIX, e a terceira, e atual, onda, o feminismo contemporâneo, que surgiu na década de 60. Cada direito alcançado foi importante na conquista dos que vieram depois.
Em 27 de agosto 1962, foi promulgada a Lei n°. 4.121, conhecida como o Estatuto da Mulher Casada. Foi apenas após essa norma que as mulheres passaram a ser consideradas “plenamente capazes” para os atos da vida civil. Até então elas eram consideradas incapazes e subordinadas aos pais ou ao marido, precisando, inclusive, de autorização para trabalhar. Outro marco da terceira onda foi a Lei do Divórcio aprovada em 1977. Após esses avanços, a Constituição Federal declarou, em outubro de 1988, que homens e mulheres são iguais perante a lei.
Contudo, infelizmente a igualdade de gênero, assim como vários outros direitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro, existem apenas no papel. A igualdade inaugurada na Constituição é apenas formal. Ou seja, a igualdade de gênero ainda está apenas no papel. Esse fato faz com que a nossa luta pela igualdade de fato, ou material, seja diária.
A evolução dos direitos das mulheres é um assunto importante, que renderia várias linhas, mas esse não é o tema desse texto. Porém, situar o leitor no tempo para que se perceba que não tem nem 60 anos que as mulheres são consideradas capazes é importante para o tema que será abordado aqui. O assunto hoje é o silenciamento das mulheres como forma de coibir o avanço da efetivação de direitos. As mulheres são emudecidas diariamente e, por vezes, sequer percebem. É normal não identificar, temos que estar atentas para perceber o quanto a sociedade patriarcal ainda quer nos calar.
Essas linhas iniciais são para mostrar que o silenciamento das mulheres é cultural e está em qualquer espaço, dentro dos lares, nas mesas de bar, nas instituições etc. A opressão é uma das maneiras encontradas por aqueles, maioria homens, que pretendem se manter em uma posição de superioridade e acham que manter as mulheres quietas garante esse lugar.
Vivemos em uma sociedade patriarcal. É verdade, estamos mudando, a passos lentos, mas contínuos. Ainda existe uma ideologia que autoriza a desigualdade dos gêneros e que acha “natural” a superioridade do masculino, o que se sabe ser um mito.
A inclusão da mulher no mercado do trabalho foi um passo importante, que proporcionou a nós um lugar para o exercício da cidadania. Rodrigo da Cunha Pereira, no “Dicionário de Direito de Família e Sucessões” afirma que: “a desconstrução da suposta superioridade masculina foi desencadeada principalmente pelo movimento feminista, que está entrelaçado com elementos políticos, religiosos, éticos e estéticos da sociedade”. Ele alerta que as novas possibilidades de relações, tanto pessoais quanto sociais, não são simples, já que vivemos muito tempo com uma cultura onde a desigualdade de gênero era (e ainda é) legítima.
O fato é que mesmo após tanta batalha e modificações da legislação a mulher ainda precisa diariamente buscar que os seus direitos, já reconhecidos, sejam exercidos. Todos, homens e mulheres, precisam estar alertas, pois o silenciamento, é uma das formas de manter o feminino abaixo do masculino. Para exemplificar o comportamento masculino para manter a mulher em uma condição de inferioridade podemos começar falando sobre o silenciamento feminino através do mansplaining e do manterrupting.
O primeiro caso foi descrito por Rebecca Solnit em seu livro “Os homens explicam tudo para mim” onde ela relata que, durante uma conversa com um homem, ele interrompeu sua fala para perguntar se ela já tinha ouvido falar de um livro importante que havia sido lançado e passou a explicar sobre o assunto abordado na obra. Ocorre que a autora do tal livro era a própria Solnit. Ou seja, o homem estava explicando para uma mulher algo que foi escrito por ela.
O manterrupting também ganhou destaque depois da entrevista da deputada estadual Manuela d`Ávila no Roda Viva durante a campanha eleitoral de 2018. Ela sofreu 62 interrupções pelos entrevistadores, enquanto os outros participantes homens, foram cortados em uma escala muito menor (Boulos 12 vezes e Ciro 08). O fato demonstra que não há receio em interromper a fala de uma mulher.
Há relatos que essas e outras condutas são recorrentes fato que acaba desencorajando a fala feminina. As mulheres, por saberem mesmo que inconscientemente, que serão interrompidas, desistem de falar para não passar por essa situação constrangedora. Precisamos mudar essa conduta, não devemos nos intimidar.
O silenciamento das mulheres é uma prática antiga, mas que permanece viva ainda no século XXI. Na obra, do século VIII a.c., Odisséia de Homero, em uma passagem do livro, Telêmaco, filho de Ulisses e Penélope, ao ouvir sua mãe pedir, durante uma reunião de homens em que ele estava tocando um instrumento musical, uma música se dirige a ela e diz: “Mãe, volte para os seus aposentos e retome seu próprio trabalho, o tear e a roca … Discursos são coisas de homem.” Percebam que mesmo escrito há mais de três mil anos a fala parece tão atual.
Notem que colocar a mulher em um espaço inferior ao ocupado pelo homem é uma questão cultural que persiste há muito tempo. A atitude de buscar o rebaixamento de alguém pelo simples fato dessa pessoa não ser do gênero masculino é autorizado pelo sistema patriarcal.
Ocorre que em alguns casos o silenciamento ultrapassa a interrupção ou a explicação anteriormente mencionada. Muitas vezes esse silenciamento pode gerar violação de direitos fundamentais e trazer danos irreversíveis às mulheres silenciadas. É o que acontece nos casos de assédio moral e de violência doméstica, por exemplo. Duas agressões em que a grande maioria das vítimas são mulheres. E um dos motivos dessa estatística é a crença na superioridade masculina somada ao fato de as mulheres acreditarem que realmente são inferiores e, por isso, acabam se calando.
O silêncio pode gerar danos psíquicos (depressão e ansiedade), materiais (pedido de demissão) ou, em casos extremos, causar a morte (feminicídio e suicídio). Precisamos levar a conhecimento de todos, especialmente das vítimas, que a mulher tem o direito de falar e de denunciar. As vítimas não precisam de autorização para falar tão pouco para denunciar crimes. Para a sociedade onde o machismo ainda é dominante, a mudança tem que partir de nós, mulheres
O meu convite é que comecemos uma grande corrente para não permitir o silenciamento das mulheres. No momento que todas nós impusermos nossa voz em todos os espaços nosso lugar em igualdade ao homem será efetivado! Não vamos deixar que nos calem, nem nas mesas dos lares ou dos bares, nem nas instituições e nem em lugar algum. Somos todos iguais e é a nossa voz que vai fazer com que esses direitos saiam do papel e sejam materialmente efetivados.
Referências Bibliográficas
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Dicionário de direito de família e sucessões: ilustrado. São Paulo: Saraiva, 2015.
SOLNIT, Rebecca. Os homens explicam tudo para mim. São Paulo: Cultrix, 2017.
por Radael de Souza Parolin e Charles Quevedo Carpes.
O curso de Especialização em Ciências Exatas e Tecnologia foi pensado durante a gestão do biênio 2015-2016 do Curso de Matemática, Campus Itaqui (UNIPAMPA, 2020). Algumas necessidades e expectativas alinharam-se à proposta, as quais estavam intrinsicamente ligadas à ideia de desenvolvimento da interdisciplinaridade e integração de diferentes cursos de graduação, na figura dos docentes e seus projetos de pesquisa.
Das principais necessidades, destaca-se o interesse dos egressos dos cursos de graduação do campus em dar continuidade aos seus estudos em nível de Pós-Graduação. Essa demanda apresentou-se em diferentes momentos junto à gestão do curso de Matemática e, também, em eventos, como a Semana Acadêmica. Adicionalmente, evidenciou-se outra necessidade e oportunidade: a integração de diferentes projetos de pesquisa, tanto daqueles em andamento, quanto de novas proposições, com vistas à interdisciplinaridade.
Tratando-se das expectativas, além da formação de pós-graduados, se tem o fortalecimento das pesquisas conjuntas, considerando ainda suas publicações, essenciais ao amadurecimento das pesquisas e possibilitando a proposição, em médio prazo, de um programa de pós-graduação stricto sensu para o campus Itaqui.
O curso de pós-graduação lato sensu teve início em 2017, organizado e composto por docentes das áreas de Matemática, Física e Computação, todos do campus de Itaqui. Já em sua 2ª edição, com início em 2019, agregaram-se outros professores, incluindo-se a área de Química. Destaca-se que a constituição do curso se deu a partir da valorização das características e diferenças do corpo docente do campus, além da integração com o curso de graduação de Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia (UNIPAMPA, 2018), o qual tem uma proposta ampla e atual ao Ensino Superior de Graduação. Assim, temos por público alvo os egressos dos diferentes cursos do campus, além de cursos das proximidades e de professores atuantes no ensino básico, que visam uma atualização ou aperfeiçoamento.
Com a área de conhecimento Interdisciplinar da especialização, sua abrangência do corpo docente contou com 19 professores entre as duas edições. Do objetivo principal para com os discentes, evidencia-se uma visão ampla dos problemas e a mobilização de conceitos científicos adequados para solucioná-los, utilizando-se de recursos tecnológicos disponíveis e propondo o desenvolvimento de novas tecnologias.
De acordo com a concepção pedagógica, o curso divide-se em dois módulos, sendo 7 componentes curriculares obrigatórias no módulo Básico, que totalizam 240 horas, e 14 componentes curriculares eletivas no módulo Específico, das quais o aluno cursa pelo menos 120 horas (Tabela 1). Ainda, com a elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) na forma de um artigo científico, integralizam-se 420 horas em 18 meses.
No módulo Básico, o estudante revisa e amplia conceitos sobre as ciências exatas básicas (Matemática, Química, Física e Computação), com o propósito de desenvolver no estudante a capacidade de relacionar os conhecimentos de cada área e utilizá-los de forma interdisciplinar. Já no módulo Específico, o estudante aprofunda seus conhecimentos em uma das áreas cobertas pelo curso, escolhendo disciplinas de suporte à fundamentação teórica ao desenvolvimento do seu Trabalho de Conclusão de Curso. Todas as disciplinas concentram-se nas sextas-feiras (em turno noturno) e aos sábados (em turno diurno), de modo a atingir uma formação progressiva e sequencial.
Atualmente, o curso mantém suas atividades de forma remota, devido à pandemia de COVID-19, considerando o calendário da pós-graduação (clique aqui) e a semestralidade de realização dos TCC. Tornaram-se assim, necessárias algumas adaptações e direcionamentos nos projetos de pesquisas, que já permitiram a realização de defesas de trabalhos de conclusão neste semestre, seguindo as orientações da Instrução Normativa PROPPI 01/2020.
Módulo
Componente Curricular
Carga Horária
Período de Execução
Básico
Tópicos de Cálculo Diferencial e Integral
30
2019/1
Básico
Estatística Experimental
30
2019/1
Básico
Tópicos de Laboratório Interdisciplinar I
60
2019/1
Básico
Tópicos de Física I
30
2019/1
Básico
Tópicos de Química
30
2019/1
Básico
E-TICs (Ensino e Tecnologias de Informação e Comunicação)
30
2019/2
Básico
Trabalho de Conclusão de Curso
30
2019/2
Específico
Tópicos de Física II
30
2019/2
Específico
Editoração de Textos Acadêmicos com LaTeX
30
2019/2
Específico
Tópicos em Equações Diferenciais
30
2019/2
Específico
Matemática aplicada à resolução de problemas
30
2019/2
Específico
Métodos Numéricos Computacionais I
30
2019/2
Específico
Métodos Numéricos Computacionais II
30
2019/2
Específico
Física Avançada I
30
2019/2
Específico
Pesquisa Operacional Aplicada
30
2019/2
Específico
Programação em Microcontroladores
30
2019/2
Específico
Programação Visual
30
2019/2
Específico
Aplicações de Tecnologias de Comunicação e Informação ao Ensino (Aplicações de TICs ao Ensino)
30
2019/2
Específico
Tópicos de Laboratório Interdisciplinar II
60
2019/2
Específico
Materiais Poliméricos e Nanotecnologia
30
2019/2
Específico
Modelos de Regressão
30
2019/2
Radael de Souza Parolin é professor da Universidade Federal do Pampa e Coordenador do Curso de Especialização em Ciências Exatas e Tecnologia no biênio 2019-2020 – radaelparolin@unipampa.edu.br Charles Quevedo Carpes é professor da Universidade Federal do Pampa e Coordenador do Curso de Especialização em Ciências Exatas e Tecnologia no biênio 2017-2018 – charlescarpes@unipampa.edu.br