por Walker Douglas Pincerati
Assim que as notícias sobre o novo coronavírus e sua alta letalidade, bem como de sua sintomática confundível com a do resfriado ou da gripe, por exemplo, começaram a circular na redes, lá pelo início de março deste ano, as universidades públicas e privadas e, depois, as escolas públicas e privadas suspenderam suas atividades e fecharam suas portas. As notícias alarmantes que chegavam sem parar por todos os lados do Brasil e do Mundo aumentaram nosso temor, e também o temor de que o período de “quarentena” e, por consequência, de isolamento social seria bem maior do que o querido e esperado.
Rumores, conspirações e medos circularam. Resoluções, portarias e decretos baixaram. Orçamento de Guerra promulgaram. Em meio a toda essa balbúrdia, facultou-se que todas as instituições de ensino básico, fundamental, médio e superior, privadas ou públicas, utilizassem a Educação a Distância, a conhecida e maltratada EaD, para salvar o semestre então suspenso. Ela se tornou a própria Salvação!
Mas a coisa não é bem assim… Ela, ao menos no Serviço Público, é maldita. É uma ameaça ao Ensino Superior, ao ensino presencial. É acusada de ser a causadora da evasão dos cursos presenciais. Ela, a maldita diaba do capitalismo financeiro global! Ela deglutirá a Universidade Pública, gratuita e de qualidade! Nesse ínterim, a salvação seria mais no plano governamental e institucional do que pessoal.
No entanto, esse discurso bélico de cunho político-religioso não está distante das universidades privadas. Minha irmã, que é Doutora pela USP, que, como eu, sempre estudou em universidades públicas, e que é docente com dedicação exclusiva numa certa Universidade em Curitiba (Paraná), me confessou um dia o seguinte:
– Minha coordenadora disse que talvez teremos que tocar o curso via EaD. Eu não vou fazer isso!!!, exclamou exaltada.
Embora ela hoje esteja tendo que fazer isso, pois trabalha numa instituição privada – as quais já adotaram a EaD, seja lá como for –, sua reação é, a meu ver, obviamente esperada. Afinal, por mais que este seu irmão aqui seja concursado para atuar sobretudo num curso EaD na Unipampa, ela, como a esmagadora maioria dos docentes, tem preconceitos contra a EaD simplesmente porque a desconhece. Como a maioria, ela não tem referências em seu passado escolar e universitário em relação à EaD porque não foi formada em nenhum nível nessa modalidade; restando-lhe apenas fazer eco a esse tipo de discurso. A realidade em que nossos professores são formados por professores formados na EaD não existe. Logo, esse tipo de rechaço é esperado. Essa atitude pode ser melhor explorada com Freud, mas deixemos isso para outra oportunidade…
O fato é que mesmo dentro do curso de graduação em Letras – Português, licenciatura a distância, que não pertence ao sistema UAB, a Universidade Aberta do Brasil (criada pelo Decreto 5.800, de 8 de junho de 2006), a discussão também foi e é bem animada. De um lado, um grupo de professores levantou a possibilidade de iniciar este semestre letivo, desde que a administração da Universidade não entenda que a EaD está na nuvem. Ora, como já disse o célebre pensador e teórico da cibercultura, o tunisiano Pierre Lévy (1856 – ), para que aconteça é preciso de uma infraestrutura robusta tanto intelectual quanto material e tecnológica, bem como de uma capacitada equipe multidisciplinar para executar e monitorar o trabalho técnico. Então, defende o início das atividades desde que a Universidade garanta uma infraestrutura humana e tecnológica mínima para o desenvolvimento razoável das atividades, assim como entende que a Instituição deve se posicionar sobre o Calendário a ser seguido pelo curso, afinal é um curso institucional. Muito disso foi paralisado na quarentena. Contudo, o grupo sondou seus alunos e alunas e percebeu uma complicação em se iniciar as atividades sem uma certa flexibilidade institucional. Isso porque muitos deles são mães e pais que, por conta da quarentena, se viram imersos em atividades domésticas com familiares, bem como estão submetidos, como todos nós, à instabilidade emocional gerada por tudo o que vivemos desde março. Do outro lado, há quem evoque as determinações da OMS, a Organização Mundial da Saúde, para defender a vida e se contrapor à necropolítica e ao início das atividades letivas em nosso curso.
O fato é que para se desenvolver a EaD precisamos de uma preparação – e mesmo uma pré-disposição – e um planejamento muito sistemático prévio, pois muitas são as metodologias de ensino-aprendizagem possíveis de serem aplicadas nessa modalidade de ensino. Acrescento que, por sermos uma instituição pública, podemos imprimir certo grau de exigência e de cobrança no ensino-aprendizagem, o que aumenta o grau de dificuldade do curso e a evasão. Em consulta realizada no 2º semestre 2019 sobre as razões da evasão entre 2017 e o 1º semestre de 2019, 37% das 47 respostas obtidas assinalam a falta de tempo para desenvolver as atividades e estudos exigidos como fator de abandono. Um comentário de um ou uma aluna na avaliação do 2º semestre de 2019 que os discentes fizeram do curso parece traduzir o que significa essa falta de tempo:
“Quando entrei no curso, pensei que seria EAD, mas ele vai além disso, precisa de muito tempo, e tempo eu não tenho! Acho que o ponto do curso e que eu sinceramente creio em desistir, é que ele não é flexível com os alunos sem tempo, que trabalham, tem casa…”
Se todos temos casa e trabalhamos, o comentário destaca nosso grau de exigência, bem como desnuda o imaginário e o preconceito social que se tem sobre o que é a EaD. Revela também que, no nosso caso, a EaD não é fácil!
Do lado do professor, a dificuldade talvez seja maior; a começar pela escolha da metodologia de ensino-aprendizagem que utilizará. No leque de metodologias possíveis, considerando-se o nosso caso, isto é, o dos e das professoras concursadas da Letras EaD Institucional da Unipampa que não têm tutores (como há na UAB; nós fazemos todo trabalho necessário), pode-se, creio, organizá-las em dois eixos básicos de atuação ou caminhos a serem tomados. Mas, cuidado! Qualquer que seja o caminho tomado, deve-se sempre…, sempre manter alto grau de interação (presença) com as ou os alunos.
Primeiro, a ou o professor, como eu, pode seguir mais de perto com o modelo presencial. Ele ministra aulas onlines regulares – no meu caso, semanais – para explorar e desenvolver o conteúdo. Para isso, contamos com um serviço de conferência web (Mconf), a Conferênciaweb RNP, mantido pelo Governo Federal. A Mconf consiste numa tela que contém chat e chamada de vídeo, uma tela para exibir um arquivo de texto ou de slide, que pode ser baixado ali mesmo pelos participantes, e a possibilidade de gravação de toda atividade. Essa gravação pode ser editada e disponibilizada depois. É uma sala de aula online. Obviamente, devemos ter preparado com antecedência a plataforma que serve de Ambiente Virtual de Aprendizagem, no caso: o Moodle. Nele, é desejável disponibilizar com a máxima precisão o calendário ou cronograma de atividades, os textos autorais ou não, os exercícios e os roteiros de estudos, sem o quais alunos e alunas se perdem no quê, no porquê, no como e no quando fazer. O trabalho de montagem do moodle toma um bom tempo. Ele exige capricho e habilidade com a plataforma. É diferente da montagem de uma aula presencial. E é de extrema importância porque guia os trabalhos. Sem isso tudo, tanto alunos quanto professor correm sério risco de se perderem no tempo e conteúdo a ser explorado. O professor deve, então, ter extremo cuidado com o planejamento do curso com vistas à avaliação, pois antes de tudo deve não só prepará-lo como montá-lo inteiro – com avaliação – na plataforma, de modo a estabelecer uma relação ótima no fator tempo por conteúdo.
Segundo: o ou a professora pode lançar mão das famosas metodologias ativas, que, basicamente, consistem em criar uma situação, projeto ou problema cuja resolução exige a busca e a aquisição de determinados conhecimentos. Nesses casos, dá-se maior autonomia aos alunos porque a presença da professora não ocorrerá com regularidade, ou mesmo não ocorrerá de forma síncrona (o que não é muito desejável!!), mas sim de forma assíncrona: via mensagens e/ou podcasts. Estes são criados para nortear, explorar e/ou aprofundar uma parte ou aspectos do conteúdo; atentando-se que áudios e vídeos maiores do que 20 minutos são indesejados por alunos e alunas. Para satisfazer isto, exige-se certo trabalho de edição de áudios e vídeos. De maneira geral, quanto mais próximo do modelo da gamificação, isto é, da aprendizagem baseada em jogos, melhor. O desafio da professora se torna não só o de aprender tais metodologias, como também o de ter criatividade para desenvolvê-la de forma ótima, sem descuidar jamais da interação professor-aluno, qualquer que seja o meio adotado para executá-la. Nesse paradigma das metodologias ativas, a EaD que consiste em postar um texto, dar uma atividade e corrigi-la é uma EaD básica ou mínima.
Como se vê, não se faz EaD na nuvem. Certamente, é preciso que existam nuvens. Entretanto, a EaD, uma EaD desenvolvida não é fácil porque exige não só o domínio da disciplina a ser ministrada, mas também destreza, competência, predisposição e habilidades no manejo das tecnologias de comunicação e informação na metodologia de ensino-aprendizagem empregada. Obviamente, exige muita sensibilidade. Afinal, como não temos referências, precisamos descobrir um ritmo próprio conexo a uma dada metodologia, e isso é uma tarefa árdua porque render duras críticas de alunos e alunas no percurso do nosso aprendizado experimentado.
Os e as alunas que decidem fazer um curso nessa modalidade precisam entender que a EaD não é sinônimo de ensino fácil. Obviamente, há instituições que não querem ou não podem perder alunos porque isso tem impacto financeiro. Mas se o desejo é fazer um curso de verdade, o aluno deve aprender a dominar as tecnologias de informações e comunicação e deve estar sempre conectado. Deve, ainda, no nosso caso, familiariza-se com as várias linguagens, metodologias e conteúdos abordados, bem como aprender a organizar seu tempo em relação a todo o conteúdo a ser estudado, exercitado e assimilado.
Mais do que dizer que a EaD é fácil, talvez possamos melhor dizê-la, dizendo que Ela não é para qualquer um.
Walker Douglas Pincerati é professor da UNIPAMPA Jaguarão; membro imortal da ALBSC e pesquisador do LeCiber (UNIPAMPA) e do Outrarte (IEL/UNICAMP).
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